/A infinitude de possibilidades de se falar sobre: famílias.

A infinitude de possibilidades de se falar sobre: famílias.

Paulo Fonsêcà

Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Não, essa frase não é minha, quem me dera! Essa frase abre o célebre romance de Liev Tolstói, o gigantesco escritor russo em um dos seus maiores feitos: o Anna Kariênina.

Apesar da minha não autoria da frase é exatamente ela que me fez pensar o quanto tenho lido ultimamente nesse tema quase que infinito: família. Nenhuma família é igual a outra, principalmente as famílias infelizes, ou naquelas em que as pessoas se encontram em frangalhos, nessas primordialmente, a infinitude e complexidade de cada uma de suas composições e faltas ainda mais me atrai.

E foi exatamente pensando nessa magnitude da palavra família que escolhi minha leitura do mês na Livraria Mega Morais. Em “sobre minha filha” – livro da autora coreana Kim Hye-jin que aqui no Brasil sai pela Editora Fósforo (editora essa inclusive que tem um dos mais absurdos e melhores trabalhos curatoriais do mercado editorial brasileiro; ou seja, só publica livro f*da!) teremos uma aqui uma relação mãe e filha nada romanceada e extremamente conturbada, aqui contada pelos relatos da mãe, daí o nome do livro.

A mãe é também uma cuidadora de um lar de idosos ao qual vê sua “cliente” ir definhando cada vez mais ainda que aos poucos, tanto por falta de recursos (ou necessidade de corte de verbas para o embolsamento ilegal das mesmas) da clínica onde essa trabalha bem como pelo esquecimento dos outros, uma vez que essa senhora não tenha mais uma família sanguínea ou se quer nunca teve filhos. O fato é que, a filha que dá nome ao título do livro é uma mulher LGBTQIA+ e a mãe em seu auge de preconceito e ignorância não consegue aceitar a ideia de que a filha não construa sua “tradicional família brasileira – coreana no caso “em sua vida.

Apesar dos gigantescos gatilhos óbvios que este romance provocou neste que vos escreve o livro me tocou muito. Em meio a todos os seus problemas e preconceitos essa mãe também tem muito medo da solidão, na sua forma de ver e de viver entende que nesse distanciamento que cada vez mais vai criando sobre sua filha e sua companheira ela cria também um abismo em seu relacionamento não apenas deixando de ganhar uma filha (sua nora) mas, também perdendo a sua única.

Envelhecimento, violência, abusos, preconceitos. Um livro dolorido, mas, que nos faz pensar e repensar o quanto nossos pais e as pessoas mais velhas nas quais convivemos estão de fato dispostas de fato a compartilhar e semear para este novo mundo no qual sonhamos e acreditamos. Um mundo mais justo, mais empático e acima de tudo mais amoroso com o próximo.

É pelo olhar da mãe no livro também que entendemos o que o não dito por vezes diz e como essa aceitação e abraço familiar é capaz de mudar toda uma história, bem como, a falta dela também pode ser devastadora. Impossível com este não lembrar das palavras de uma querida amiga muito especial (oi Gaia!) sobre exatamente os mesmos preconceitos LGBTQIA+ que tanto vemos e conhecemos, mas, que precisamos falar, reiterar e lutar pelo combate sempre: a primeira violência que uma pessoa LGBTQIA+ enfrenta normalmente é construída dentro da sua própria casa.

Há verdade nessa tristeza bem como há comunhão na infelicidade destas, não apenas à sua maneira.