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O preço da nossa liberdade

À medida que vamos lendo mais passamos a perceber até mesmo a característica da escolha do recorte curatorial de cada editora. A NÓS por exemplo, editora responsável pela escolha deste mês na Livraria Mega Morais tem a característica de só publicar livros excelentes que de uma forma ou de outra sempre dialogam com o contemporâneo.

Em a porta da viagem sem retorno passamos a nos questionar nossas relações parentais bem como o preço da nossa liberdade. O que seria ser livre afinal quando o que entendemos propriamente como liberdade nos é roubado? Como continuar sendo livres em uma sociedade onde a liberdade era dita pela cor da pele? No leito de morte, o naturalista Michel Adanson – inspirado no homônimo histórico (1727-1806), que elaborou um sistema de classificação das plantas, incluindo a descrição do baobá – se martiriza por não ter contado toda sua história de vida à filha Aglaé. Apesar de ter escrito suas memórias da África e um tratado de botânica, faltou-lhe tornar pública a mais relevante de suas experiências, o seu próprio conhecimento do que é amor e do preço real pela liberdade. Por meio dos cadernos deste personagem o autor David Diop usa da inspiração de um personagem real, que se desloca da Europa Ocidental para África a fim de estudar a sua fauna e flora e se deparando nesta não apenas com o centro de Senegal mas, ao interior de si mesmo.

É necessário conhecer o outro para conhecer a si próprio. Também é necessário dar liberdade ao outro para encontrar a própria liberdade, mas seria isso mesmo? Assim como dito por David, “meu trabalho é a recriação das vozes que se calaram, que não puderam se expressar e que paradoxalmente os opressores – como eu – se fazem ressuscitar”.  Por meio de sua proposta de escrita David dá vida à história de um indivíduo que no seu leito de morte percebe que apesar de suas inúmeras contribuições científicas para a humanidade o sentido de sua própria vida se deu pela valorização e entendimento do que foi o amor nela e é exatamente nos seus últimos suspiros nos quais este tenta passar esse legado a sua única filha, filha esta que pouco teve contato até mesmo para cultivar o amor pois gastou grande parte de sua existência trazendo avanços científicos botânicos a humanidade.

O livro trás à tona debates extremamente pertinentes a respeito da liberdade individual, liberdade essa em muitas vezes foi massacrada no período escravocrata e continua sendo massacrada dia a dia na nossa sociedade contemporânea a todos e tudo aquilo que se diz diferente.

O mais interessante deste livro a meu ver é que de fato o descobridor se torna descoberta, a luta da natureza se torna luta pessoal e o respeito pelo outro ultrapassa os limites da existência e se transformam em ideais de liberdade. Qualquer ponto a mais que eu possa a vir descrever nesse artigo poderia acabar destruindo a grande e potente voz que este livro trás em si; um livro extremamente empático, potente e surpreendente, daqueles que rancam lágrimas involuntariamente e que se começa sendo um lendo mas, ao final provoca uma gigantesca mudança interior. Maravilhoso.

 

Matéria por: Paulo Fonsêcà