/A rádio de Brumadinho que pegava em Brasília

A rádio de Brumadinho que pegava em Brasília

A década de 1990 em Brumadinho foi pródiga em proporcionar simultaneamente o surgimento de vários veículos de comunicação, a maioria independentes, como os jornais impressos (Circuito e DeFato), três emissoras radiofônicas com transmissões diárias (InterFM, dirigida por Leci Strada (hoje Regional, a Rádio de Brumadinho), Amizade e uma emissora evangélica), além de um canal de televisão, a TVP, fundada pelo Zazá, como mostrei em meu livro “Mídias locais, história e desenvolvimento de Brumadinho 1910-2013” publicado pelo Conselho Municipal de Patrimônio Cultural/Prefeitura de Brumadinho em 2022.

E neste burburinho comunicacional surgiu também um irreverente jornal intitulado Jornal do Poste que era mimeografado e editado por Carlos Braga, o Braguinha (in memoriam) que o afixava em alguns postes da cidade onde as pessoas o liam.

Vira e mexe algum desses veículos de comunicação cutucava criticamente a administração pública tirando o sossego dos prefeitos de plantão, situação até então inédita em décadas anteriores.

Nessa época eu tinha um programa radiofônico semanal na Rádio InterFM, o “De Olho na Notícia”, que ia ao ar todas as manhãs de sábado.

Entre os vários ouvintes assíduos desse programa estava o prefeito Gibiu (Cândido Amabis Neto) e o vereador Aurélio do Pio.

Aos sábados o Gibiu sintonizava o rádio na emissora em sua casa para escutar o programa e conferir o que o seu apresentador falaria sobre a sua administração.

Ficava alegre ao ouvir a notícia sobre algum ato ou ação positiva feito pela Prefeitura e possesso quando ouvia alguma crítica contra a sua administração.

Aliás, foi talvez por isso mesmo que, de certa feita, a InterFM foi denunciada ao Dentel em 1997 e em seguida fechada pela Polícia Federal, fato que gerou uma reportagem no jornal Circuito intitulada “Rádios de Brumadinhos são amordaçadas” e que foi por mim assinada.

Gibiu, em seu primeiro dia de mandato como prefeito de Brumadinho em 1997 quando teve que enfrentar fortes enchentes no munícipio e a herança de um atraso na folha de pagamento do funcionalismo de três meses, além da proliferação de mídias independentes na cidade. (Foto Valdir de Castro Oliveira). 

A rádio, o vereador e o prefeito

Em um dia chuvoso o prefeito Gibiu se encontrou com o vereador Aurélio do Pio na então popular Padaria Copacabana localizada no centro da cidade e que nessa época era dirigida pelo Paulo Bernardes e que, segundo as más línguas, era ali o centro irradiador das fofocas que circulavam em Brumadinho, principalmente as políticas.

Nesse encontro Gibiu reclamou com o vereador contra o programa “De Olho na Notícia” por mim dirigido e das críticas que dele recebia e que, segundo ele, eram injustas.

Com um disfarçado sorriso maroto, mas em tom grave e em voz baixa, Aurélio do Pio comentou com ele que deveria tomar mais cuidado com sua administração pois “esta rádio e este programa estão sendo captados até em Brasília!!!!”.

Ao ouvir isto Gibiu arregalou os olhos assustado e, de cara fechada, respondeu a ele: “Mas isto pode prejudicar a minha administração e os pedidos de verba que costumeiramente envio para os deputados em Brasília. Imagine o que eles irão pensar de mim e da minha administração quando ouvirem essa emissora!”, exclamou Gibiu fechando novamente a cara.

– “Pois é, Gibiu, com essa tecnologia moderna tudo é possível”, respondeu Aurélio do Pio disfarçando um sorriso maroto.

Gibiu, à direita, ladeado por vereadores e moradores do Inhotim quando inaugurou em 1998 o sistema de água tratada da Copasa reivindicada por essa comunidade. Aurélio do Pio é o terceiro da esquerda para a direita. Foto Valdir de Castro Oliveira.

Preocupado com esta suposta audiência em Brasília e do que ela poderia significar para sua administração, Gibiu tratou de ligar para o seu padrinho político em Brasília, o poderoso deputado Valdemar da Costa Neto, presidente nacional do PL, partido ao qual era também filiado, além de conterrâneos de Mogi das Cruzes, terra natal de ambos. Mas, mais do que conterrâneos, Valdemar era seu amigo e, nessa condição, o chamava carinhosamente pelo diminutivo de seu nome, Candinho.

Nessa conversa telefônica com o padrinho político, Gibiu pediu a ele interceder junto aos deputados com o objetivo de atenuar ou anular eventuais críticas feitas a sua administração por esta emissora em relação aos pleitos enviados por ele a Brasília.

E nessa toada, todas as manhãs de sábados Gibiu ficava grudado na Rádio InterFM para escutar o que o apresentador do programa “De Olho na Notícia” iria falar sobre a sua administração e quando dali emergia alguma crítica, ele, mentalmente e rapidamente, já elaborava uma possível resposta ou contra-argumento para que, se fosse o caso, seria enviada para o Valdemar Costa Neto ou os deputados da bancada política em Brasília que apoiavam os pleitos por ele enviados em nome da Prefeitura de Brumadinho.

Depois de ouvir mais um desses programas em uma manhã de sábado, ele se encontrou novamente com o vereador Aurélio do Pio na Padaria Copacabana e disse a ele: — “Aurélio, já alertei ao Valdemar Costa Neto em Brasília de que tudo que essa rádio critica em minha administração é tudo mentira”.

Em seguida acrescentou que o deputado comentou com ele que achava estranho que uma rádio comunitária de Brumadinho pudesse ser captada e ouvida em Brasília.

Depois de franzir a testa e matutar um pouco, Gibiu perguntou para o Aurélio: “De fato, como é que essa Rádio consegue ser captada em Brasília sendo uma emissora comunitária cujas ondas são ou deveriam ser limitadas a uma localidade ou comunidade de acordo com a Lei de Radiodifusão Comunitária 9612, de 1998, que regulamenta a transmissão desse tipo de emissora”?

Olhando de lado e, mais uma vez, com seu sorriso maroto, Aurélio respondeu:

– “Uai Gibiu, eu nunca disse que esta emissora pegava na cidade de Brasília! O que eu disse a você é que ela era facilmente captada até na minha Brasília, graças à boa antena que nela instalei, arranjo que me permite ouvi-la de qualquer lugar da cidade de Brumadinho!

– “É de fato uma rádio que pega até em Brasília”, completou o vereador.

Gibiu arregalou os olhos e, com uma sonora gargalhada, concluiu logo que o Aurélio vinha fazendo troça dele há muito tempo com este trocadilho entre a Brasília, capital do Brasil e sede do poder político nacional, e o carro de sua propriedade de marca Wolksvagen, ano 77, modelo Brasília que costumeiramente usava para percorrer as ruas, estradas e outras quebradas de Brumadinho!