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Novas publicações discutem as tragédias-crimes da Vale em Brumadinho

Valdir de Castro Oliveira

Nem todas as tragédias ou acontecimentos que ocorrem na sociedade contemporânea podem ser simplesmente descritas como acontecimentos inesperados provenientes de um azar ou de uma fatalidade.

Ao contrário disso, devem ser considerados como tragédias anunciadas, parafreaseando aqui o escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, principalmete se considerarmos que o progresso ou as riquezas da sociedade atual ocorrem em uma sociedade de risco, como tão bem descreveu em 1986 o sociólogo alemão Ulrich Beck já quando se propôs a analisar a lógica de funcionamento da sociedade contemporânea.

Em sua análise, esse sociólogo nos mostra que o progresso material proporcionado por muitos empreendimento da contemporaneidade presididos pela lógica ou do lucro ou do crescimento econômico a qualquer preço e que assim escapam do controle das instituições sociais.

Por causa disso, muitas vezes esta condição, tanto em nível local quanto global, resultam em catástrofes provocando mortes, sofrimento individuais e coletivos, tristeza, melancolia, destruições ou degradação ambiental cujas proporções colocam em xeque o atual modo de desenvolvimento da sociedade contemporânea.

As pontas de um iceberg

Estas consequências são apenas as pontas de um imenso iceberg que estão a comprometer tanto a vida humana quanto a fauna e a flora e, quiçá, o nosso próprio planeta, o que nos deixa inseguros quanto ao nosso futuro. Entre elas está a pandemia da Covid-19, que deixou milhões de mortos em todo o mundo, ao lado do desastre de Chernobil (Ucrânia) em 1986, Mariana em 2015 ou em Brumadinho em 2019 conformando o cenário contemporâneo que, ao lado de centenas de outros acontecimentos similares nos traz a incerteza sobre o que será de nosso planeta até o final deste século.

Podemos dizer ainda que estas situações, em seu conjunto, estão profundamente articuladas com o nosso modo de vida e com a lógica econômica neoliberal guiadas por uma lógica de racionalidade profundamente dependente dos índices das bolsas de valores. Ao lado disso convivemos hoje com uma forte descrença das pessoas, políticos governantes que, irresponsavelmente, negam os princípios de racionalidade do conhecimento científico forjando um tipo de ideologia que ignora o fato de que, muitos mais que desastres ambientais, climáticos ou epidemiológicos, essas manifestações são parte da lógica de organização que preside o funcionamento da sociedade contemporânea, plena de riscos, como aconteceu através da epidemia da Covid-19 no Brasil e no mundo.

 

A tragédia-crime da Vale

Nesse contexto de reflexão é que indico aqui também a leitura do meu livro sobre “Mídias locais, história e desenvolvimento de Brumadinho”, publicado sob os auspícios da Secretaria de Cultura/Prefeitura de Brumadinho através da leitura do capítulo XI, intitulado “Dor, luto (a) e melancolia: o rompimento da Barragem do Feijão” no qual procurei  mostrar que o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, pertencente à Vale, no dia 25 de janeiro de 2019 matando 272 provocou, mais que incalculáveis prejuízos econômicos, também grandes prejuízos sociais e ambientais ao município, além de provocar  incalculáveis formas de dor e de sofrimento às pessoas.

Ali digo que esta situação rompeu com a nossa ilusão de que desenvolvimento econômico ou geração de empregos, invariavelmente, traz bem-estar e felicidade para todos e que, diante desses tipos de desastres, muitos autores atualmente têm procurado refletir ou denunciar o contexto dessas tragédias, sendo que muitas delas são ou deveriam ser nomeadas muito mais como desastres-crimes, como aconteceu em Mariana em 2015 e em Brumadinho em 2019, entre outras.

Foi nas trilhas desse tipo de reflexão que li o instigante livro publicado pela brumadinhense Marina Paula Oliveira pela editora Dialética intitulado “O preço de um crime sócio- ambiental: os bastidores do processo de reparação do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o maior desastre humanitário do Brasil”.

Neste livro a autora analisa a lógica e as causas que presidiram este tipo de desastre e as consequências que teve para o meio ambiente, as pessoas e a luta em que se viram instadas a desenvolver para que, moral e juridicamente, possam obter as devidas reparações, embora estas nunca reponham integralmente o que perderam diante desse fatídico desastre acontecido em Brumadinho em 2019 matando 272 pessoas e destruiu plantações, meio ambiente, sonhos e esperanças.

O livro está prefaciado pelo teólogo Leonardo Boff e nasceu como resultado da dissertação de mestrado de Marina Paula Oliveira apresentada na PUCminas intitulada “Acordo para quem? Uma análise do acordo firmado entre a Vale S.A. e o Estado de Minas Gerais no contexto do rompimento da barragem em Brumadinh-MG”.

Segundo Boff esta dissertação “tem a vantagem de ser elaborada pelo método da observação participativa, já que a pesquisadora foi atingida pelo rompimento da barragem e por estar permanentemente acompanhando as comunidades atingidas, o que lhe dá um valor testemunhal singular”.

No posfácio do livro também comparece Dom Vicente Ferreira, uma pessoa exemplar e amplamente conhecida dos brumadinhenses por seu respeito à vida, a solidariedade e a justiça. Nele Dom Vicente diz claramente que, menos que remendos no tecido roto dos interesses econômicos da sociedade contemporânea, é necessário desejar o anúncio de outro modo de vida dizendo-nos que, “Antes do rompimento da barragem da Vale, na mina do Córrego do Feijão, pouco se falava se falava dos riscos. Apesar de serem sabidos. Não foi somente a sirena da mineradora que não tocou. Também a da consciência estava adormecida. E continua anulada pela não memória. E o crime atualiza-se nas estratégias de reparação” (pag. 156).

Comunicação em tempos de emergência

No mesmo contexto dessa reflexão aproveito para indicar neste espaço do Circuito o lançamento de outro instigante livro publicado pela Editora da Universidade do Espírito Santo intitulado “Somos todos atingidos: Comunicação em tempos de emergência em Saúde Pública) organizado por vários pesquisadores brasileiros (Adauto Emmerich Oliveira, Michele Nacif Antunes, Paola Pinheiro Bernardi Primo) em que analisam o papel da comunicação em várias situações de emergência envolvendo tanto a epidemia da Covid-19 quanto as tragédias ambientais e humanas provocadas pelo rompimento da Barragem do Fundão em Mariana em 2015 quanto a da Barragem do Feijão em Brumadinho em 2019.

Entre os três autores/organizadores desse livro está Michele Nacif Antunes, pesquisadora da Fiocruz/ES, atualmente residindo em Portugal onde faz pós-doutorado, mas com intensas passagens profissionais e afetivas por Brumadinho, assim como a de seu companheiro, documentarista cinematográfico da Fiocruz, Sérgio Brito, brumadinhense de alma e coração e meu colega de trabalho na Fiocruz do Rio de Janeiro.

Através de vários ensaios ela e os autores trabalham conceitualmente o significado de desastre, de tragédia e de suas consequências para a sociedade e para a saúde pública.

Revista da Avabrum e Jornal dos Atingidos

Ainda nessa linha de reflexão não posso deixar de citar aqui a instigante e oportuna publicação da revista da Avabrum (Associação dos Familiares de Vitimas e Atingidos pela Barragem  ina Córrego do Feijão, com 58 páginas) que, em um extraordinário esforço, fez esta instigante e bem ilustrada publicação em que discute as causas e as consequências da tragédia da Vale que se abateu sobre Brumadinho e o restante da Bacia do Paraopeba e a luta dos atingidos para que recebam as devidas reparações morais, sociais e econômicas.

Estas publicações com informações significativas e enfoques plurais nos trazem consistentes posicionnamentos e interpretações plurais sobre o fato de que que o simples desenvolvimento econômico e de empregos não é sinônimo de desenvolvimento humano, de respeito ao meio ambiente e de justiça social como nos mostram cada linha do que foi escrito por esta pluralidade de autores anteriormente citados.