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O gosto amargo do vermelho e o real sabor da infância

Paulo Fonsêcà

Desde pequeno tenho lembranças de ir a Livraria Mega Morais. Interessante como literatura e livrarias sempre fizeram parte da minha vida. Quando morei fora (ainda quando meu alemão era péssimo) já tinha os meus livreiros prediletos da Alemanha (e sim, eu dava um jeito de conversar com eles). De certa forma em todos os países que visitei dei um jeitinho de ir a uma livraria (Saudades livraria Lello de Portugal a mais linda – inspirou Harry Potter inclusive). Atualmente morando em Belo Horizonte já fiz uma melhor amiga da vida e adivinha a profissão dela? Livreira! (Ei Ingrid!) E com a livraria Morais não podia ser diferente, até porque na única e melhor livraria de Brumadinho esta passa a ter além de tudo um sabor de infância pra mim, um sabor de despertar o interesse à leitura, um sabor de anos 2000 e lançamentos de Harry Potter, um sabor de saudade.

Depois de alguns tropeços falando de livros talvez não tão acessíveis nestes artigos pros próximos adquiri todos os livros aqui citados por lá, serão todos vindos da nossa livraria, a livraria da cidade, aquela que podemos e devemos chamar de nossa. Para o de hoje trago um livro raríssimo lá encontrado, da saudosa e finada Cosac Naify (saudades editoras querida) onde ainda restam alguns exemplares (corram! Risos) de um autor mineiro, que escreve de uma maneira extremamente brilhante, Bartolomeu Campos de Queiros, falando de sua infância e do amargo sabor de tomate desta ou apenas do gosto amargo do vermelho.

Misturando autobiografia, realismo fantástico e em uma escrita absurdamente poética aqui conhecemos a vida de Bartolomeu onde neste livro narra as difíceis memórias afetivas de sua dolorosa infância. Ele, muito cedo, teve que aprender a lidar com a madrasta enquanto ainda sofria com a morte prematura da mãe. A infância marcada pelas despedidas de seus muitos irmãos pontualmente lembrada pelo aumento da fatia do tomate, fatia esta que era dividida por todos, porém cada um que deixava a casa fazia a fatia engrossar cada vez mais na divisão criando em suas memórias afetivas um sabor mais e mais grosso, amargo…

A escrita de Bartolomeu é algo quase que indizível, este fazia poesia de uma forma simples e absurdamente bela que invade o coração da gente já metendo o pé logo na entrada. Das coisas que ficaram instaladas em mim parafraseio uma passagem sobre o “sempre”: – Sempre pensei o “sempre” como um tempo muito longe. O sempre começava no nascimento e acabava, para cada um, numa hora que fugiu do relógio. Viajar para o sempre não demanda bilhete de partida. Quando se assusta, somos expulsos para o sempre, mesmo sem passagem. Eu sabia que viver é ter um dia a menos. – E não sabemos todos nós que viver é ter um dia a menos? É não tentamos todos nós estacionar nossas vidas e daqueles que mais amamos no sempre? Ainda que saibamos que o sempre, sempre, acaba?

Um livro que nos faz pensar no hoje, que nos faz pensar em quem somos, porque somos e se de fato somos a soma de todos os “sempres”, de todas as ausências e não completudes daqueles que nos cercam. Aqui Bartolomeu nos contou da vida dele, mas, poderia certamente ser da minha, da sua e de todos aqueles que de alguma forma em maior ou menor proporção por todas as suas perdas pessoais em algum momento da vida sentiu ou sempre sente o gosto amargo do vermelho…