/Novela Pantanal: do Brasil de ontem para o Brasil de hoje (II)

Novela Pantanal: do Brasil de ontem para o Brasil de hoje (II)

Valdir de Castro Oliveira

Quando a novela Pantanal foi ao ar através da TV Manchete no dia 27 de março de 1990, o país vivia a turbulência de um plano econômico mirabolante do Governo Collor que, entre outras coisas, promoveu o confisco das cadernetas de poupança sob o ritmo de uma inflação galopante que corroía o valor dos salários e o poder de compra da população.

Neste cenário turbulento a novela Pantanal serviu como uma espécie de bálsamo mostrando belíssimas e bucólicas paisagens do pantanal contrapondo-se a aridez do cenário político e econômico de então.

Sem dúvida alguma que, juntamente com uma trama bem urdida, essa novela renovou em muito a linguagem televisiva aproximando-a mais do cinema, o que certamente encantou a sua audiência e colocou em xeque a audiência da já poderosa Globo na época.

Foi um sucesso de audiência!

Rejeitada pela Globo, há 32 anos, esta mesma novela retoma agora através desta mesma emissora e que, se antes fora plasmada pelas turbulências do Plano Collor, agora ela está sendo reprisada sob as turbulências das queimadas que no ano retrasado destruíram muito da beleza do pantanal, dos ecos da guerra da Rússia com a Ucrânia, da pandemia da Covid-19 e de uma inflação galopante que corrói o poder de compra dos salários dos trabalhadores e de um governo que mistura incompetência com autoritarismo e arroubos retóricos como governança pouco contribuindo para estabelecer uma espécie de pacto social que seja capaz de nos trazer um pouco mais de esperança e de alento diante do futuro.

Na nova novela Pantanal já em exibição na Globo, muitas inovações tecnológicas foram positivamente utilizadas pela teledramaturgia da emissora mostrando-nos um Brasil em transformação e que há muito tempo perdeu a ilusão do bucolismo rural embora, como uma espécie de recalque, ele retome ao nosso imaginário, neste caso, através do conflito que se estabelece entre José Leôncio e seu filho, Joventino.

O primeiro, José Leôncio, tem como vizinho um grileiro responsável por incontáveis mortes, como um símbolo que até hoje não conseguiu resolver justa e pacificamente a violência no campo e a posse de terras, situações responsáveis por matar anualmente milhares de pessoas no Brasil.

Leôncio faz parte deste mundo, embora se veja de repente contrastado pelo mundo simbólico do seu filho, Joventino, criado longe dele, no Rio de Janeiro.

A diferença entre eles aparece de imediato em seus primeiros encontros. Enquanto o pai é um rico criador de gado e tem na carne bovina a fonte de sua riqueza e dos seus movimentados churrascos, o filho prefere à suavidade da fotografia, não gosta de montar a cavalo e, pior, não gosta e não come carne, fonte da riqueza do pai.

O filho sequer é “doutor”, destino imaginado e sonhado pelos grandes donos de terras no Brasil desde os tempos coloniais.

Mas, estranhamente, o pai de José Leôncio, Joventino, domador de marruás, que ajudou a criar o império pantaneiro do filho, reaparece na novela destituído de terras e de gado, perambulando daqui e dali, mas ostentando uma sabedoria de fazer inveja aos defensores do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Mas a sua sabedoria vem mais da vida do que da riqueza que agora pertence ao filho, situação que se repetirá com o seu neto que não come carne e perscruta o mundo com compaixão.

O conflito geracional, atrelado também aos outros conflitos que perpassam a vivência social no Brasil de ontem e de hoje, é representado pelas incompreensões e dificuldades de diálogo entre José Leôncio e Jove.

E neste cenário de conflitos, para se defenderem, as pessoas tem que virar onças ou uma jiboia para abocanhar e digerir seus inimigos ou a eles se adaptarem.

É o caso de Jove que, sentindo-se rejeitado pelo pai que acha que o filho é afeminado, e ridicularizado pelos peões por causa de seu jeito de moço da cidade, decide retornar ao Rio de Janeiro, mas levando consigo Juma Marruá.

Passado um tempo no Rio, onde o choque cultural passa agora a ser sofrido por Juma, Jove retorna ao Pantanal para não ter que se separar de sua “onça” amada.

Mas desta vez ele irá disposto a se adaptar ao estilo de vida local e a se acertar com o pai até se transformar num autêntico peão pantaneiro.

E ele não deixará de esbarrar com o fazendeiro vizinho, Tenório, cujo passado de grileiro de terras o liga às tragédias familiares deJuma e de seus pais, bem como de outros peões e agregados, tanto da fazenda de José Leôncio como da sua própria. O mau-caratismo deste e sua inclinação a vinganças covardes colocarão em risco em diversas circunstâncias a família de José Leôncio.

A partir daí a trama segue acompanhada de belíssimas imagens do bioma pantaneiro e da emergência de uma consciência ecológica em relação à caça de animais e ao meio ambiente.

É nesta situação que Joventino, pai de Zé Leôncio, reaparece na novela como o Velho do Rio e que passa a proteger jacarés coureiros e onças e dono de uma sapiência ecológica que simboliza a luta pela preservação da vida e do desenvolvimento sustentável.

Até o próximo capítulo …