Morreu no dia 10 de janeiro o professor Renato Quintino, comunicação que recebi na manhã do dia 11 de Alexandra Gonçalves. Esta notícia pegou-me de sur- presa na manhã do dia seguinte quando fui avisado de sua morte. Vários sentimentos se misturaram na minha cabeça neste momento e, como sói acontecer nestes mo- mentos, tudo o que conhecia deste dileto amigo veio a tona. Tínhamos em comum o fato de sermos professores titulares da UFMG tendo ele militado em sua direção através do cargo de pró-reitor de extensão e de sermos moradores de Brumadinho onde escolhemos viver. Engraçado é que ele ocupava este posto trabalhando com a perspectiva freiriana que pressupõe o ato educativo como uma prática da liberdade com que eu também compartilhava. Além de comungar com ele esta perspectiva, tínhamos em comum o fato de conhecermos pessoalmente Paulo Freire (que agora está negativamente na mira do novo ministro da Educação).
Ele em função das atividades de extensão da UFMG e eu por ter organizado um evento em Recife na década de 1980 como uma espécie de marco da volta deste educador ao Brasil como uma homenagem por seu incansável trabalho de alfabetização popular no Nordeste e em outras partes do mundo. Esta convergência serviu para alimentar muito das nossas incontáveis conversas que começaram quando ele, pela primeira vez, me visitou quando morava no Inhotim depois que esta comunidade organizou um dos primeiros debates políticos do município nas eleições municipais no início da década de 1990. Lembro-me que durante o governo Fernando Henrique Cardo- so, ele escreveu um artigo no jornal Folha de Casa Branca, do qual ele era o editor, favorável a este governo. Eu o retruquei no número se- guinte enviando um artigo que ele, democraticamente, publicou. Isto permitiu que entabulássemos uma conversação pública resultando em um debate com pontos de vista diferentes, algo raro nestes tempos de opinião única e de pouco apreço dos jornais pelo debate político. Tal como ele, nós nos aposentamos da UFMG, mas não nos aposentamos da militância social e política e tínhamos em comum o fato de que era importante participar e intervir no debate público. Em 1982 ele mudou de Belo Horizonte para a região serrana de Brumadinho e, tal como ele fiz o mesmo em 1987. Como educador originário do campo da saúde bucal e como am- bientalista, a inquietação de Renato Quintino o levou a fundar este jornal, o Folha de Casa Branca, e a fundar em Brumadinho o PV – Partido Verde – unindo sua militância política no campo da saúde com a questão ambiental. Foi isto também que o levou ao primeiro es- calão do Estado de Minas Gerais e a participar da criação da APA-Sul. No jornal ele incomodava a administração municipal e os vereadores com sua verve crítica em uma época que a oposição em Brumadinho era mais tímida que o recato de uma donzela na Idade Mé- dia.
Quando Gibiu ganhou a Prefeitura, ele foi convidado pelo prefeito Cândido Amabis Neto, o Gibiu, a organizar a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a dinamizar o Codema – Conselho Municipal de Meio Ambiente. Foi dele a iniciativa de estimular a criação da Ascavap. O engraçado é que paralelamente, tanto ele quanto eu trabalhávamos pela constituição do SUS desde a década de 1980 e nesta militância nos encontrávamos muito através dos eventos do Conselho Municipal de Saúde e nas ações para a criação do Programa de Saúde da Família e simultaneamente através da função de editores, eu como editor do jornal Circuito Notícias, entre 1997 a 2005, e ele do jornal Folha de Casa Branca, fundado por ele em 1991 e que de- pois se transformaria no jornal da Apa-Sul onde me tornei articulista. Da mesma forma que o Circui- to e outros jornais impressos, este jornal passou a ter cada vez mais dificuldade de circular por falta de patrocinadores.
Este fenômeno tem sido fatal para a mídia do interior que, diante disto, tornam-se cada vez mais jornais sem jornalismo, abdicando de apurar e discutir plural- mente as questões locais e de inter- esse público. Isto tornou as edições do Apa-sul irregulares, isto é, saiam quando se fechava o patrocínio de empresas fazendo com que cada número publicado fosse resultado de uma verdadeira maratona para se conseguir patrocinadores, o que atingia Renato Quintino que, embora continuasse um jovem de espírito, fisicamente o corpo lhe cobrava o peso dos seus mais de oitenta anos. Foi ele que escreveu o prefácio do meu livro denominado “Mídias locais, história e desenvolvimento de Brumadinho”, que infelizmente continua inédito por falta de recur- sos financeiros para publicá-lo. Escreveu neste prefácio, entre outras coisas, o seguinte: “Garanto aos leitores que esta é uma obra gratificante, gostosa, direta, sincera, hon- esta e eivada de bom humor, sendo que a maior parte de seu conteúdo retrata vários acontecimentos importantes com base em pesquisas nos jornais locais, em arquivos, documentos e em depoimentos orais de pelo menos 63 cidadãos e cidadãs de Brumadinho, entre eles muitos ex-prefeitos e outras pessoas que ajudaram a construir a história de Brumadinho.
A pesquisa e seus relatos em treze capítulos, todos interligados historicamente na atual realidade municipal, mostrando o papel da ferrovia, construída a partir de 1910, e da exploração de minério que aqui refletia economicamente o que acontecia no Brasil e no mundo naquela época, assim como o papel das mídias locais que se desenvolveram de maneira sistemática e permanente após a Constituição de 1988”. Ao lado de Maria Lúcia Guedes, ex-vereadora de Brumadinho e militante política e social, construiu uma bela história de amor e de solidariedade política tendo como referência a vida e a esperança. Descanse em paz, Renato!