Nos últimos tempos, tivemos notícias auspiciosas e trágicas sobre o universo escolar em nossa cidade, em Brumadinho. A inauguração de novas unidades educacionais é sempre bem vinda, em um país que ainda investe muito menos do que deveria e poderia em educação, um país que não tem historicamente feito “o dever de casa” para gerar melhores fundamentos para o seu desenvolvimento, o investimento em educação. Mas infelizmente, também nos últimos tempos notícias de atentados, assassinatos e terrorismo nas escolas tem nos assustado, para dizer o mínimo; tem desnudado a nós a violência que está estruturando a vida contemporânea e vitimando crianças e jovens, educadores e educadoras e toda a nossa sociedade.
Esse é um tema espinhoso, cheio de nuances e desafios, atravessado pelo medo. O medo, por sua vez, é o motor daqueles que querem uma sociedade aterrorizada, seja para implantar seu projeto político de paralização e subserviência a relações autoritárias e supostamente protetoras da sociedade, relações paternalistas, seja para alcançar espaço midiático em uma sociedade movida por aparições públicas em busca de “likes”, de aprovação por parte de pares e grupos sociais específicos.
O que podemos constatar é que apesar de ter mobilização atenções, energias, temores e intenções de diferentes segmentos da sociedade, as propostas efetivamente garantidoras de melhor educação, maior e mais profunda proteção das escolas, de nossa juventude, dos profissionais da educação e de toda a sociedade ainda estão por acontecer. Várias falsas respostas e soluções vingativas, baseadas em mais violência e disseminação de mais armas, mais revide à violência e difusão de um Estado policial permanente estão postas, todas elas flagrantemente ruins, inadequadas, ineficientes e, pior de tudo, geradoras de mais violência, inclusive e sobretudo, mais mortes nas escolas.
É preciso abraçar a escola, como já abraçamos no passado como sociedade. Esse abraço exige de todos nós relações mais intensas com a escola e seu universo e atores, ou seja, nossas crianças e jovens, os educadores e todos os profissionais da educação. E esse abraço, que Brumadinho praticada diariamente no passado, envolve outras soluções, todas elas baseadas em menos armas, mais cuidado, mais empatia, mais democracia e diálogo, mais cuidado da própria escola por toda a nossa comunidade. Ter novas unidades escolares, com novos equipamentos modernos e adequados à educação contemporânea, é uma condição necessária, mas não suficiente para alcançarmos ao mesmo tempo paz nas escolas e melhor qualidade do ensino.
Se muitos da minha geração, eu que estou com 54 anos de idade, conseguiram avançar na vida e ter uma inserção social, profissional e de qualidade de vida dignas, isso se deve ao fato de termos tido em nossas histórias educadores e educadoras de elevada qualidade. Essas pessoas, profissionais extremamente competentes da educação, se destacaram e se destacam não apenas pela competência técnica, mas também pela competência em cuidar, se dedicar de corpo e alma aos seus educandos. Brumadinho tem essa história de grandes educadores e educadoras. É a partir dela que resgataremos a nossa escola, voltando a abraça-la com cuidado social e gerando proteção efetiva.
Um dos primeiros passos, também simbólico, mas essencial, é voltar a resgatar o prestígio da profissão docente. Não há nenhum país do mundo que tenha conseguido se desenvolver economicamente e gerado avanços no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou seja, avanços na educação, saúde, qualidade de moradia, mobilidade urbana, segurança e oportunidades de trabalho e renda, sem que tenha investido pesadamente em educação. Mas, além do investimento em educação, esses países de destaque na educação souberam articular tradições do passado e inovações no jeito de se conviver nas sociedades modernas, mantendo o prestígio da profissão de professor. Dois exemplos gritantes para reforçar esse argumento: Japão e Finlândia. Dois países que se tornaram potências econômicas e sociais em menos de um século, nos quais a condição de professor tem elevado prestígio junto a sociedade. No Japão, educadores são os únicos que não devem se curvar ao imperador na reverência oficial. Na Finlândia, os salários dos professores só são menores do que os salários dos magistrados, do judiciário, sendo maiores do que inclusive o do primeiro-ministro.
Mas, além do respeito e prestígio dos educadores, precisamos resgatar os laços de diálogo, envolvimento e cuidado dos pais para com a escola. Nas últimas décadas, infelizmente vimos surgir um novo tipo de pai e mãe em relação à escola. Pais e mães que terceirizam a educação de seus pais para os educadores na escola e se colocam como verdadeiros clientes da educação, exigindo muito da escola e dos educadores e participando pouco da vida escolar, exceto quando se sentem de alguma forma lesados e recorrem à escola para cobrar direitos de forma muitas vezes desrespeitosa e como se fossem clientes em uma loja de shopping centers. Pais às vezes que desejam da escola não uma educação integral, mas sim a inserção de filhos competitivos, filhos empreendedores de si mesmos, em uma sociedade de competição total. Para gerar proteção efetiva nas escolas, precisamos de pais e mães presentes no cotidiano escolar, em diálogo mais profundo com os educadores e educadoras, mais sintonizados com o cotidiano na escola e seus desafios, inclusive de geração de segurança e paz para todos e todas. Precisamos reconstruir, junto com pais e mães, uma sociedade menos competitiva e mais solidária, pois esse também é o substrato de uma sociedade e de escolas mais seguras.
Quanto à segurança mais propriamente dita, é preciso nos determos mais nos fatos e acontecimentos, ao invés de seguirmos discursos políticos daqueles que querem uma sociedade cada vez mais armada e repleta de policiais capazes de infringir violência rápida e letal ao primeiro sinal de ameaça. A violência nas escolas acabou favorecendo esse tipo de visão e proposta de sociedade, ao invés de nos permitir aprofundar o diálogo e compreensão do que gera e como gera violência nas escolas.
O mais desafiador agora é entender que quem pratica violência nas escolas, seja no Brasil ou ao redor do mundo, sobretudo na sociedade mais armada do mundo os Estados Unidos, não são assaltantes invadindo escolas para assaltar. São jovens, vários de classe média e alta, movidos por vários fatores, inclusive o desejo se imolarem (serem mortos) ao invadir e assassinar outros colegas.
Cultura de paz é essencial, mas infelizmente é condição necessária, mas não suficiente para dar conta do problema. Polícia atuando em parceria com escolas também. Necessário, mas não suficiente. Precisamos como mães e pais nos organizarmos, dialogarmos mais para além das tarefas de dia a dia de nossos filhos e filhas na escola, e construímos uma rede de proteção de todos e todas. Sem nos reaproximarmos e sermos acolhidos como parceiros das escolas e zelarmos mais por nossos filhos, vários frequentando a chamada “deep web”, onde se veiculam discursos de ódio, culto as armas e valorização e exibicionismo quanto aos ataques a escola (tem grupos que ensinam como se fazer um ataque assim), sem sequer nos darmos conta disso, não voltaremos a ter na escola um espaço que deve ser de encontro, aprendizagem, acolhida, paz, respeito, crescimento, etc.
Eventos de cultura de paz são o primeiro passo, importantíssimo, eventos nos quais toda a comunidade celebra a solidariedade, a paz, o cuidado e a certeza de que podemos gerar mais segurança sem armar até os dedos todos, sem inserirmos mais policiais com armamento pesado nas escolas. Inclusive, o maior argumento contra isso é que essa foi a grande solução adotada há mais de vinte anos nos Estados Unidos, que ao invés de acabar com a violência nas escolas, gerou mais mortes e mais violência, inclusive porque os autores dos atentados passaram a mobilizar mais armamento pesado para assassinar professores e colegas de aula antes de serem mortos pela polícia.
Porém, se pensarmos que a celebração da cultura de paz deve acontecer apenas na escola não resolveremos nossos problemas de segurança, porque a solução é coletiva e exige de todos nós mais proatividade, mais cuidado com todos e todas e um basta bem grande a cultura de ódio, da violência e do culto as armas que tem se espalhado em todo o mundo, não só no Brasil.
O diálogo com os filhos, a meu ver, é essencial. Diálogo e presença. E hoje, as vezes, estamos juntos mas não exatamente presentes. Somos atravessados por artefatos tecnológicos que nos levam para outro lugar. Se conseguirmos ver, e para mim não é fácil exercitar essa visão, que os jovens que fazem esses ataques estão falando conosco de outro jeito, estão buscando uma voz em um mundo em que todo mundo fala e poucos se escutam, acho que passamos a entender onde, como e porquê tamanha violência nasce, seduz e se multiplica. Mas, infelizmente, quando estamos todos e todas amedrontados com a violência, fica mais difícil enxergar as questões para além das falsas soluções supostamente rápidas e fáceis. E aí erramos de novo, não construindo a escola que protege, acolhe, faz crescer, múltipla o bem e a paz.
Vigilância ostensiva, repressão bruta e até morte daqueles que invadem escolas não resolve. Vigilância armada em escolas ajuda simbolicamente a escalar a violência. É preciso desescalar a violência. Assassinos buscam a imolação para serem venerados como heróis pelas comunidades na chamada Deep Web, Internet Profunda. Matar o assassino não adianta, podendo até ser pior para gerar mais violência nas escolas.
Precisamos tTirar o foco na violência. Pensar nas soluções e não nos problemas em si. Além disso, o controle social das mídias é essencial. Empresas de mídia que permitem que conteúdos de terrorismo sejam abrigados em suas páginas devem ser responsabilizadas por esse desserviço à social. Nenhuma atividade empresarial é livre para fazer o que bem entende e não prestar contas de seus impactos nocivos na sociedade. E todos nós de Brumadinho sabemos bem disso, porque sentimos na pela e na alma a irresponsabilidade criminosa da mineração.
Brumadinho tem perdido o sentido de comunidade, com o crescimento da cidade. Nossas escolas podem ser esse vetor de reconstrução do sentido de comunidade. Muitos devem muito a Brumadinho e chegou a hora de devolver com empatia e gratidão tudo o que recebem e receberam e os fizeram ser quem são. Chegou a hora de abraçarmos nossas escolas.
Esse artigo é dedicado a todos e todas pessoas que ajudaram na minha educação, educação que recebi como um belo presente de Brumadinho para mim, para quem sou eu hoje. Agradeço profundamente e tento retribuir com o melhor que consigo gerar de mim como pessoa e profissional.
Há solução para a violência na escola, não são as soluções de quem defende mais armas, repressão, polícia armada nas escolas, etc. Resta saber se seremos corajosos efetivamente para realmente protegermos a escola e as nossas crianças e jovens, nossos educadores e educadoras. Eu estimo que sim, que vislumbremos o futuro com coração, mudando nosso discurso e forma de ação em sociedade desde agora, desde o tempo presente.