/Turismo Dependência não é Solução para a Minero-Dependência

Turismo Dependência não é Solução para a Minero-Dependência

As reflexões sobre a tragédia em São Sebastião, em São Paulo, servem para pensarmos de forma crítica e construirmos ações efetivas sobre o turismo em Brumadinho. Visto por muitos como boia de salvação no nosso município dominado pela atividade econômica da Mineração, o turismo também tem suas manhas, artimanhas e muitos problemas. Brumadinho padece também com um turismo que pouco transforma a realidade das comunidades de classes populares e as regiões rurais e periféricas.

São Sebastião, assolada pelas chuvas torrenciais no litoral de São Paulo, era uma região pacata e povoada por pessoas e comunidades de classes populares, até que foi descoberta como destino turístico, sobretudo para os paulistanos. Desde então, já há algumas décadas atrás, a cidade se viu invadida por centenas de famílias ricas e de classe média alta, que moravam sobretudo em São Paulo.

Os moradores locais, diante de quantias de dinheiro que para eles eram vultuosas, mas que para os compradores eram um “negócio da China”, uma verdadeira “pechincha”, venderam seus terrenos bem localizados nas praias e áreas seguras para os novos habitantes do local. Pousadas e mansões, e depois ressortes e hotéis de luxo se instalaram na região. Aos moradores mais antigos coube morarem em periferias e encostas, muitas vezes em áreas de risco, porque o custo da terra, dos impostos e de vida se elevara com os novos moradores e frequentadores endinheirados.

Em relação aos empregos gerados pela indústria de turismo, alguns poucos que exigiam mais qualificação, como domínio de línguas estrangeiras, etiqueta no atendimento a turistas e conhecimento de culinária sofisticada, por exemplo, foram ocupados por pessoas de fora da região com maior escolaridade e experiência, que também se mudaram para São Sebastião e arredores. Os empregos mal remunerados, sem benefícios como auxílio saúde, aposentadoria e educação dos filhos dos trabalhadores, ficaram para os antigos moradores, a maioria absoluta, com baixa escolarização formal e pouca experiência no turismo para endinheirados. Os moradores originais de São Sebastião viraram caseiros de sítios, camareiras, porteiros de hotéis e pousadas, garçons, etc.

Qualquer semelhança com o que já acontece em algumas regiões de Brumadinho não é mera coincidência. É esse o futuro que desejamos para Brumadinho!? Se não desejamos isso, precisamos pensar e agir rapidamente em nosso território, para estabelecermos lógicas de expansão do turismo em nosso município que não sejam segregadoras, elitistas, concentradoras de renda e que coloquem as pessoas e comunidades de classes populares e classes médias baixas e médias, que hoje vivem em Brumadinho, em regiões de risco de desastres e tragédias, como aconteceu em São Sebastião em São Paulo.

É urgente, na minha singela avaliação, que haja um diálogo mais construtivo, aberto, franco e sem resistências entre aqueles que passaram a ocupar territórios de Brumadinho e desfrutar de qualidade de vida e aqueles que permanecem às margens do desenvolvimento, sempre ouvindo promessas e mais promessas de uma vida digna, integral e próspera, sobretudo quanto aos salários e condições de trabalho.

Não existe defesa da sustentabilidade praticando salários de miséria e impondo condições de trabalho precárias para quem está disponível para prestar serviços como os de garçons, camareiras, faxineiras, caseiros e toda ordem de outros serviços necessários para se viver bem e desfrutar das pousadas, restaurantes e condomínios de Brumadinho. Esse ponto de avanço é essencial. E nunca entra em pauta e ação efetivamente.

Xingar a mineração, xingar o povo das classes populares de Brumadinho, supostamente alienado e pouco educado e preparado para a luta ambiental é fácil. Difícil é sair do conforto da vida cheia de certezas e construir diálogos efetivamente democráticos, sustentáveis e agregadores com o povo simples e das comunidades que sempre lutou contra a mineração, pelo simples fato de teimar em existir e resistir no território, muito antes das pousadas, condomínios e do turismo “a la Inhotim” aportarem em Brumadinho.

Brumadinho é uma amostra em diversidade e complexidade do Brasil, país muito desigual e com grande potencial, com muitas potências. Praticar ambientalismo desconsiderando as condições de trabalho, renda e vida das comunidades é reproduzir um modo de vida elitista, desagregador e profundamente contraditório e ambíguo.

No século XXI, ambientalismo é uma luta socioambiental, portanto, é essencial estar junto das lutas do chamado “Ecologismo dos Pobres”. Sim, muitos grupos em Brumadinho tem responsabilidade na reprodução da Minero-Dependência. Esse fenômeno não é uma dependência meramente econômica, mas também simbólica da mineração, que se entranha na cultura, nas relações sociais e nas relações de poder, impedindo que as comunidades, sobretudo as mais pobres, acreditem em suas potências e potenciais para viver sem mineração.

Resta também descobrir que Brumadinho pode viver e reproduzir a vida sem o turismo tradicional, que também segrega, paga mal e gera bolsões de pobreza ao redor de ilhas de qualidade de vida. É preciso que Brumadinho se reinvente em direção a um turismo que tenha como protagonistas os grupos, sobretudo das comunidades tradicionais e rurais, que vivem no território. E isso já está acontecendo, mas pode ser abafado caso prevaleça a grande indústria do turismo e da qualidade de vida em condomínios, que não gera desenvolvimento amplo, abrangente, plural e inclusivo.

Muitos daqueles dos condomínios já tem essa concepção baseada no “Ecologismo dos Pobres”, mas ainda falta muita mobilização nessa região também. E não ainda xingar e reproduzir falas de menosprezo e racismo contra o povo da sede e das comunidades rurais e tradicionais de Brumadinho, como já presenciei inúmeras vezes ao dialogar com ecologistas que defendem uma visão integral do homem e da natureza, mas têm sensibilidade zero para pensar, discutir e agir contra a reprodução de desigualdades dentro de Brumadinho.

Mas, há sempre as pessoas capazes efetivamente de serem ousadas e pensar e agir para fora de si. Essas conexões entre muitos e muitas de Brumadinho já estão em ação, em verdadeira ebulição. Elas são a esperança de uma Brumadinho livre da Minero-Dependência, que não vai colocar no lugar desse vício uma Turismo-Dependência. Para quem não conhece, não sabe ou nem imaginava que essa ebulição de um turismo de base comunitária já está acontecendo em nossa terra, fica o convite para reconhecer e conhecer em profundidade Brumadinho como ele é efetivamente.

 

Matéria por: Armindo dos Santos de Sousa Teodósio