/Lá ao longe vem o povo preto de Brumadinho…

Lá ao longe vem o povo preto de Brumadinho…

De que cores são as Brumas de Brumadinho? Brancas? Tem certeza, querido leitor, querida leitora, que essas são brancas nuvens, como diria o grande compositor Elomar, “do mais branco capucho do algodão”? Eu acho que não! Essas brumas brancas sempre foram pretas. E aí está a força do povo das Brumas Pequenas.

Brumadinho é também terra de rica tradição do povo preto, dos negros e negras, que foram escravizados e na sua luta pela liberdade, emancipação e reconhecimento como cidadãos de direitos, estabeleceram as comunidades quilombolas que tanto enchem nosso município de arte, cultura, luta, resistência e força.

Muitas histórias já foram contadas sobre as pessoas brancas que ajudaram a fundar o município de Brumadinho e a construir nossa história como povo. Ainda temos essa dívida importante com nossos irmãos pretos e quilombolas: contar a história de nossa terra através das trajetórias sofridas, resistentes, resilientes e cheias de superação desse povo que se refugiou em comunidades distantes da sede.

Recentemente, apareceu um livro para romper com a literatura que faz tudo ficar invisível em Brumadinho, a literatura que conta muitas histórias, sempre repletas de brancos e com alguns sujeitos negros como atores secundários nesse enredo. Esse livro é uma homenagem ao Sr. Cambão. Homenagem tardia e que ainda não consegue fazer juz a tudo o que o povo preto fez, faz e significa para Brumadinho, mas já é um grande passo para dirimir essa dívida histórica.

Por detrás dessas brumas brancas de Brumadinho ainda há muita vida de gente preta que precisa ser relevada para brilhar ainda mais. O samba, o congado, a vida nos quilombos com suas festas, músicas, danças e tradições culturais, tudo isso vai rompendo os grilhões de uma sociedade, a brasileira, que libertou os escravizados, mas não os liberou de uma herança de subcidadania, de injustiças e exploração econômica, de preconceitos e racismo. É através da expressão cultural, que o povo preto e quilombola de Brumadinho vem encontrando seu espaço, mas ainda é pouco e muito tímida a inclusão e reconhecimento desse povo em nossa terra.

A Alma de Brumadinho é uma alma preta, no que ela tem de mais sublime: a força em existir e resistir, seja à exploração da mineração, seja ao preconceito, seja à tentativa de nos tornar uma cidade irrelevante e insignificante, por exemplo, diante da pujança do Museu Inhotim, ou ainda, seja frente às tentativas de nos dizerem como devemos regenerar nosso território sem ouvir e construir de forma efetivamente participativa e democrática as alternativas para a nossa cidade após a tragédia e o crime de 2019.

Muito tardiamente e praticamente apenas pela própria força do povo preto de Brumadinho, o preconceito e a exploração contra essas pessoas vêm sendo superados. Mas, as histórias de sujeição a trabalhos em péssimas condições, à baixos salários, à erotização e exploração da mulher quilombola e ao racismo não se constituem em vozes de um passado longínquo. Essas histórias e memórias ainda estão nos corações e mentes de muitos pretos e pretas de Brumadinho.

Porém, como no passado podíamos ouvir e sentir, com a pele arrepiando, o som potente dos tambores de congado anunciando sua chegada à porta de nossas casas, agora uma nova geração, ainda mais guerreira, talentosa, bela e forte de jovens pretos e pretas está chegando e ocupando seu devido espaço na sociedade de Brumadinho. Eles estão construindo um futuro que não tolerará mais a subcidadania para o povo preto e quilombola de nossa terra. Vocês não sentem esse futuro chegar!? Talvez porque precisem descobrir dentro das brancas nuvens de Brumadinho a alma negra de todos nós, alma movida pelo tambor quilombola.

Este singelo artigo é dedicado a todos os pretos e pretas que sempre estiveram na minha história de vida em Brumadinho. Vocês me fizeram e me fazem uma pessoa melhor, e estão para sempre registrados em meu coração brumadinense. Saudades eternas do Caco, da Turute, do Jésus do Vôlei, e de tantos e tantas, meus irmãos de pele preta nas brancas brumas de Brumadinho.

 

Téo (Armindo dos Santos de Sousa Teodósio)

Professor da PUC Minas