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Brumadinho: um celeiro de inovações sociais

Nos últimos anos, desde a tragédia derivada de crime corporativo da Vale, Brumadinho tem se modificado bastante e em ritmo acelerado. Como é natural em cidades do interior que observam um crescimento rápido, a chegada de “estrangeiros” `à nossa terra desperta sentimentos ambíguos. Somos um povo conhecido por sua cordialidade e acolhimento. As levas de trabalhadores que se mudaram para o município quando da construção do Sistema Serra Azul são prova disso. Muitos se fixaram em nosso território.

Junto com a chegada dos “estrangeiros” surge também uma necessidade e um sentimento de valorizar aqueles que já estavam em nossa terra, construindo uma história importante, com muitas virtudes. A verdadeira indústria de ideias trazidas de fora de Brumadinho para dentro de nossa cidade sem o devido cuidado, respeito, compreensão de nosso território e comunidades, sem um diálogo mais profundo e respeitoso com as pessoas que aqui já estavam antes de 2019, ajuda a reforçar esse sentimento de resistência e rivalidade. Para muitos desses “estrangeiros”, isso seria prova de que Brumadinho e seu povo são mesmo um lugar que precisa ser ajudado, apoiado e salvo, pois seria incapaz de se reerguer e avançar por si próprio.

Ambos os sentimentos e visões, tanto daqueles que se consideram brumadinenses de verdade quanto dos que são taxados de “forasteiros”, são emoções políticas que precisam ser superadas. Em Brumadinho, hoje se encontram pessoas, grupos, coletivos, associações e ONGs com muito a contribuir para as soluções dos muitos problemas que vivemos, a maioria deles agravados pelo crime de 2019 e também pela indústria de soluções de fora que aqui chegou, sem um diálogo mais profundo, orgânico e respeitoso com quem já tinha ideias e projetos potentes para fazer de Brumadinho um lugar de “Bem Viver”.

“Bem Viver” é uma expressão que o economista equatoriano Alberto Acosta popularizou para o mundo, tomando emprestado essa concepção dos povos originários das Américas, dos povos indígenas que aqui estavam antes da chegada dos europeus. “Bem Viver” é uma concepção muito mais potente e importante para pensarmos o futuro de Brumadinho do que apenas pensarmos em crescimento econômico, indústrias, negócios, turismo de massa e elitizado, mineração e outros “cantos de sereia” que hipnotizam a muitos e muitas até hoje em Brumadinho. Se crescimento econômico, negócios, trabalho e renda por si só resultassem em qualidade de vida, não teríamos os graves problemas sociais e ambientais que vivenciamos hoje em nossa terra. Dinheiro para as famílias, investimentos em atividades empresariais e negócios da reparação do crime de 2019 estão em abundância em nosso município, mesmo que não tenham representando justiça ainda e punição devida.

Mas, sobretudo, nosso maior desafio como comunidade e povo que tem direito a lutar e construir seu futuro, é que hoje vivemos bem pior do que antes de 2019. Aumento do consumo de álcool e drogas, autoextermínio (suicídios), consumismo, insegurança pública, destruição dos laços comunitários, trânsito caótico, concentração de riquezas e vários outros problemas graves nos fazem sentir que Brumadinho se perdeu. Muitos amigos e colegas da minha geração sonham hoje em sair de nossa terra. Isso é sinal que temos fracassado em nos desenvolvermos de forma efetiva ou substantiva, temos fracassado em sermos um lugar de “Bem Viver”.

As soluções para sairmos dessa realidade e avançarmos não estão fora de Brumadinho, estão no seio de nossas comunidades e nosso povo. Uma delas, uma das mais belas e potentes que conheço, voltou às atividades no final de semana no dia 14 de agosto passado. É o projeto Batucabrum, um dos vários celeiros de inovação social e fortalecimento de talentos que estão escrevendo novas e melhores histórias para Brumadinho.

Mas, será que o povo de Brumadinho, sua sociedade civil organizada, seus políticos, seu elite econômica e empresarial terão a altivez necessária para valorizar efetivamente as ideias, projetos, iniciativas e atividades que surgem e florescem ao longo de todo o nosso vasto território? Rezo para que sim todos os dias, pois desenvolvimento verdadeiro, avanços substantivos em direção ao “Bem Viver” só acontecem a partir de dentro dos territórios e não com a importação de ideias e projetos de fora sem o profundo diálogo, conhecimento, interação e respeito com os conhecimentos e capacidades de inovação daqueles que já estão nos territórios.

Os tambores do Batucabrum, com seus talentosos profissionais alimentando os corações e mentes de nossos jovens não nos deixam esquecer quem somos, e somos muito, e podemos ser muito mais. Obrigado, Batucabrum! Grande celeiro de inovação social em Brumadinho.

 

Téo (Armindo S. S. Teodósio)

Professor da PUC Minas