É com profundo pesar que noticiamos aqui a morte do jornalista Flávio Friche Passos que aconteceu no dia 4/12 tendo seu corpo sido velado no dia 5 no velório Santa Casa, na Rua Domingos Vieira, 600, em Belo Horizonte.
Tenho boas recordações de Flávio Friche e sempre o considerei como um grande jornalista e um memorialista nato. Nesta condição foi um guardião exemplar das memórias de seu pai, Abelardo Duarte Passos (1916 + 2001), uma figura exemplar e emblemática da vida política local por quem ele nutria incondicional admiração.
Como conterrâneo e colega de profissão lembro-me de ter participado com ele de várias rodadas de cervejas pelos bares de Belo Horizonte após um dia de labuta e, entre uma conversa e outra e de intermináveis cervejas, ele ia me contando muitos dos “causos” sobre a história de Brumadinho dos quais muitos eu desconhecia.
Nestas ocasiões ele me lembrava que seu pai foi prefeito de Brumadinho por vários mandatos e que ocupou este cargo pela primeira quando o prefeito Mário Albergaria dos Santos, nomeado em 1939 durante a ditadura varguista, foi afastado deste cargo em 1945 por acusação de malversação de recursos. Neste ano, já nos estertores da ditadura varguista, o governador do Estado, Benedito Valadares, nomeou o seu pai como prefeito quando tinha 28 anos. Mas depois dessa nomeação ele se tornaria prefeito eleito por várias vezes.
Flávio Friche em postagem feita por Walter Vieira Matos no Memorial de Brumadinho
Quando o pai, Abelardo Duarte Passos, morreu em 2001 fiz uma extensa reportagem sobre ele para o Circuito tendo como principal fonte de informação os depoimentos de Flávio Friche Passos e de Walter Matosinhos, reportagem essa que foi parcialmente reproduzida em meu livro “Mídias locais, história e desenvolvimento de Brumadinho 1910-2013” publicado em 2022 sob os auspícios da Secretaria de Cultura/Prefeitura de Brumadinho.
Flávio Friche, em postagem feita por Walter Vieira no Memorial de Brumadinho.
A vocação jornalística de Flávio Friche
A vocação jornalística de Flávio Friche nasceu quando era estudante do Ginásio São Sebastião e participou da emblemática experiência jornalística feita através do primeiro jornal impresso de Brumadinho intitulado Brumal criado em 1963 sob o estímulo dos seus professores.
Este jornal tinha como principais redatores os então estudantes Walter Matosinhos, Nery Braga e Flávio Friche Passos, entre outros, que, munidos de uma máquina de escrever portátil de marca Remington, varavam a noite redigindo matérias e artigos para o jornal. Além desses três, participaram ainda dessa emblemática experiência Romeu Vaz, Márcio Reis, João Batista, Maurílio Reis, Geraldo Luís (Luizinho do Zeca), Maurílio Ângelo Reis, Nery Braga, José Geraldo, Walter Vieira, entre outros, todos alunos da primeira turma do Ginásio São Sebastião.
Jornal Brumal feito pelos jovens aprendizes de jornalismo de Brumadinho
Mas o espírito inquieto desses jovens não arrefeceu mesmo quando alguns tiveram de se mudar para Belo Horizonte para estudar ou trabalhar. De lá eles criaram um novo periódico com notícias e fatos de Brumadinho intitulado Fascum que circulou na cidade de 1969 a 1973.
Este jornal era inicialmente mimeografado, tinha uma tiragem baixa, mas era distribuído em pontos estratégicos da cidade, permitindo que muitas pessoas dele tomassem conhecimento.
Quando Flávio Friche Passos se tornou vice-prefeito na gestão do prefeito José Ernesto (1973-1977) ele conseguiu apoio financeiro da prefeitura para o jornal de modo que pudesse ser impresso em uma gráfica de Belo Horizonte tendo a parte fotográfica sendo feita em Brumadinho sob a responsabilidade de Walter Vieira.
O tom humorístico e irreverente do jornal era tão forte que os seus editores construíram o seu contraponto no interior do próprio Fascum através de outro jornal, o Cunfas (Fascum lido ao contrário) em que os redatores se extravasavam com críticas às próprias matérias que publicavam no Fascum ou sobre atos e personagens de Brumadinho. “Salvo engano foram duas ou três edições do Cunfas até que as pessoas passaram a desconfiar que os redatores de um e outro jornal eram os mesmos” como me explicou o ex-membro da equipe, Geraldo Luiz, o Luizinho do Zeca em entrevista a mim concedida no dia 16/12/2013).
Mas a irreverência do Fascum e do Cunfas parece ter causado mal-estar a algumas pessoas da cidade que denunciaram os dois jornais e um de seus redatores, Romeu Vaz de Lima, ao SNI (Serviço Nacional de Informações) como subversivos, acusação esta que, à época, poderia trazer graves consequências políticas para eles, já que estávamos em plena vigência da ditadura militar.
E não deu outra.
Romeu Vaz de Lima, um dos seus redatores, foi nessa época intimado a prestar depoimento à polícia política em Belo Horizonte.
Felizmente para ele, o oficial do Exército que o interrogou em um prédio no centro da cidade, concluiu que os jornais (Fascum e Cunfas), o objeto da denúncia, concluiu que eram “bem-humorados, irreverentes e bem divertidos. Mas nada encontrei neles que sustente uma acusação de subversão. O senhor pode ir embora sem nenhuma preocupação”.
Aliviado, mas ainda um pouco assustado, Romeu esticou as pernas e em passos rápidos e largos saiu depressa daquele prédio sem sequer olhar para trás, contou-me ele sorrindo.
Cunfas, que significava Fascum lido ao contrário, bem-humorado, fazia contraponto ao próprio Fascum e era editado pelo mesmo grupo de jovens aprendizes de jornalismo em Brumadinho.
Indagado sobre a origem desse jornal Nery Braga me explicou que a ideia surgiu quando ele outros brumadinhenses moravam em uma pensão em Belo Horizonte, no quarto 19. “Tínhamos que dar um nome para o jornal e pensamos na palavra ‘Fundação’ – pegamos a letra ‘F’ desta palavra, depois pegamos a letra ‘A’, da palavra agente. O número do hotel na rua Tupis era 751 e daí veio o ‘S’ de sete, o ‘C’ de cinco e ‘U’ de um. Daí juntando tudo ficou “Fascum”. A partir daí surgiu a ideia de se fazer o jornal que foi inicialmente mimeografado.
“O jornal era pensado em Belo Horizonte para circular mensalmente em Brumadinho e nele tinha muitas brincadeiras, gozações, fofocas. Todo mundo queria saber de suas novidades, de quem estava falando” explicou Nery Braga em entrevista a mim concedida.
Com isso a irreverência e o bom humor desses dois jornais tomou conta da cidade.
Mas não demorou muito e a linha editorial do Fascum entrou em linha de colisão política com a administração municipal (governo José Ernesto Teixeira – 1973-1977) e, por causa disso, o prefeito tirou o apoio financeiro ao jornal provocando o seu fechamento. “Sem o apoio da prefeitura não tínhamos como mantê-lo e os anúncios obtidos no comércio local eram insuficientes para bancar os seus custos”, explicou Nery Braga.
Em contrapartida, o prefeito lançou em 1973 um informativo da prefeitura intitulado O Jornal de Brumadinho tendo como editor o jornalista e vice-prefeito Flávio Friche, que havia participado do Fascum do Cunfas, sendo impresso na gráfica do Jornal de Minas, de Belo Horizonte pondo assim fim a experiência do Fascum e do Cunfas.
E, já radicado em Belo Horizonte, de vez em quando Flávio Friche vinha a Brumadinho e, nesta condição, por pelo menos, por duas vezes, tive a oportunidade de estar com ele.
Uma dessas vezes foi em meu sitio no Inhotim quando lá eu morava e ele, depois de visitar a D. Irene e comprar algumas das iguarias por ela fabricadas em seu fogão mágico, foi até a minha casa onde passamos algumas boas horas proseando ao lado da Joana Bonfim (in memoriam), sua companheira e também jornalista.
A outra foi um encontro, não me lembro de quem o arranjou, para um almoço no sítio do Dr. José Ernesto no Brumado onde eu, Flávio Friche, Joana Bonfim, Marcelo Teixeira e o próprio Dr. José entabulamos animadas conversações sobre o passado, o presente e o futuro político de Brumadinho embalados por diversas qualidades de vinho que brotavam prodigiosamente da sua adega.
Creio que, com o encantamento de Flávio Friche, valendo-me aqui dessa poética expressão de Guimarães para definir a morte, ficamos um pouco mais órfãos e pobres neste mundo!
Descanse em paz, Flávio Friche!
Valdir Castro – Jornalista