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Feliz Ano Velho?

Iniciamos mais um ano com o país ainda muito dividido por conta da última disputa política para a presidência da república. Um novo ano de muitas indefinições neste momento, é claro, pois está se iniciando. E “o futuro a Deus pertence”. De um lado, os vencedores com expectativas muito elevadas de que tudo será diferente, de que uma nova era na política brasileira estaria se iniciando agora. Do lado dos derrotados, uma sensação de tragédia e de que o pesadelo começa agora, com a implementação de ações, estratégias e políticas que representam um retrocesso civiliza- tório. Arrisco ainda a dizer que as “ra- posas velhas” da política, nos níveis nacional, estadual e municipal, os homens e mulheres habituados ao exercício cotidiano da política, apostam ainda que teremos um cenário “nem tanto à terra, nem tanto ao mar”, como meu amado e saudoso pai português gostava de repetir, usando esse velho ditado da “Terrinha” (Portugal).

Desde a Grécia Antiga, os estoicos já nos ensinavam que as paixões não são boas companheiras dos empreendimentos da vida, sobretudo dos empreendimentos políticos. Há neste momento muita paixão em tudo o que se discute, compreende e se faz na política brasileira. Para muitos, esse é o contexto político contemporâneo, com sérios riscos para a democracia em diferentes partes do mundo. Um contexto movido pelo WhatsApp e pelo Facebook, no qual a adoração pelos iguais e o ódio pelos que pensam diferente é a tônica.

Tudo isso movido por notícias sem muita conexão com a realidade, pelas chamadas fakenews. Sim, isso representa sérios riscos para a democracia, mas ainda vivemos no mundo real, não no mundo virtual, e é nele que acontece a gestão pública. Nosso novo ano de 2019 ganhará realidade através da gestão pública. A transição da política, das eleições, para a gestão pública não é simplória, não é fácil, nem tampouco um assunto semelhante àqueles do âmbito privado. Muitos comentaristas políticos, alguns de forma deliberadamente perversa, outros por ingenuidade e despreparo, adoram dizer que “as contas públicas devem ser equilibra- das como as contas da família, como as despesas da casa”.

A gestão pública não se assemelha à gestão da vida fa- miliar, nem tampouco se parece com a gestão empresarial privada. Gestão Pública se estabelece dentro da chamada Governança Pública. Ela acontece a partir da interação entre os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e o poder cotidiano da população, dos empresários, dos movimentos sociais, das comunidades, etc., o poder da sociedade. Sem uma articulação e negociação entre esses diferentes poderes, nenhum governo implementa aquilo que pregou na disputa política.

Aquilo que pode parecer defeito no Brasil, o fato de “algumas leis pegarem e outras leis não”, é sinal de que nenhum governo em momento algum conseguiu gerenciar totalmente a vida de todos nós. E, ouso dizer, graças a Deus. A gestão total da vida só é possível, em parte, ou seja, de forma bas- tante imperfeita, em ditaduras, tanto de direita quanto de esquerda. A vida escapa pela mãos, escapa das mãos dos gestores.

A gestão pública é matéria complexa, na qual boas intenções e ideias simplistas, quando implementadas, podem gerar verdadeiros desastres públicos. Algumas das propostas políticas para 2019 implicam em uma gestão da vida íntima, da moralidade das famílias, da sexualidade, como se fosse possível que avançássemos para o passado e voltássemos a viver como na década de 1950. Resta combinar com os milhões de jovens brasileiros que voltaremos a viver como nossos avós. Duvido que essa juventude aceite viver um “Feliz Ano Velho”. Para que essa Governança Pública se consolide e a gestão pública aconteça no seu cotidiano é preciso algum tipo de pacto social, capaz de acomodar os diferentes interesses, tanto dos vencedores quanto dos derrotados nas eleições.

As condições atuais para esse pacto, presente em qualquer governo que conseguiu implementar sua agenda na gestão pública, é mínima neste momento. A truculência, as agressões e os xingamentos, ou seja, o ódio na política não ajuda em nada na construção da nova Governança Pública, que os eleitos em 2018 pre- cisarão para fazer valer suas promessas de campanha em 2019. Ainda há muita gente que não percebeu que as eleições acabaram e agora a vida cotidiana se inicia, com uma nova gestão pública por acontecer.

Continuam se agredindo no WhatsApp e Facebook, como se pudéssemos viver, seja em Brumadinho, sejam em qualquer lugar do mundo que não sucumbiu à barbárie, que continua minimamente civilizado e não foi estilhaçado pelos conflitos armados, numa eterna “guerra de todos contra todos”. Espero, sinceramente, que nosso 2019 seja um Feliz Ano realmente novo, pois saudosismo e falta de noção de realidade podem trazer muitos estragos para a gestão pública.

PS: agradeço muitíssimo a oportunidade de voltar a escrever para a comunidade de Brumadinho. Nesta cidade está meu coração. Devo à comunidade de Brumadinho muito do que aprendi na vida. Essa é minha modesta forma de dizer muito obrigado a tudo que Brumadinho imprimiu em mim desde a minha infância. Muito obrigado!