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Carta de afeto aos desafetos

Na tentativa de enxergar o óbvio me vejo cego. Na busca de encontrar o metal puro, sobressai uma extensa massa estéril. Tento me reinventar, mas, os moldes enrijecidos limitam as possibilidades de um novo “lay out”. Numa singular forma de ver o mundo, minha vida encontra-se em dívidas divididas. O sonho é curto e a esperança quase extinta. Difícil é deparar e olhar nos olhos de alguém num raio tão próximo capaz de nos decepcionar por inteiro. Espero no outrem o que não pode dar. Erro mais uma vez e vejo que a gratidão se perde no tempo e lugar.
O meu canto é baixo, minha dor é alta, e o que incomoda a mim, ressalta do outro lado. Penso estar tudo errado e assim desisto de falar aberto para um esperto previamente armado. Volto a um passado breve e vejo uma água suja que veio da clara neve. De onde nasceu deveria ser límpida, próxima de uma absoluta pureza e de uma cristalina leveza. No caminho optou-se por arrastar consigo o pior das sujeiras. Tento filtrar o tempo, colher na palhada uma semente seca daquilo que um dia poderia se tornado gente. Constato que o fruto gerado encontra-se geneticamente modificados. Explicita-se o amargo, perdeu-se aquilo que o berço lhe trouxe, tudo que um dia já foi doce. A acidez de atitude prepondera. No superficial riso o escuso reverbera. Vejo quanto se perdeu no passar dos anos de um inverno eterno sem perceber a primavera. Como se perde princípios, valores, amores ofertados, a gratidão tão necessária e um alicerce tendo como sustentação a humildade? Não olham onde pisam porque se olhassem viriam pessoas amassadas com atitudes vis. As desilusões contadas e nunca denunciadas é parte de um silêncio velado.
O errado fica sempre do outro lado, é cultural. A carcaça esconde a verdadeira face enquanto a outra maquiada, aparece reluzente e lisa numa imagem paisagística enaltecendo o artista. Viver não é preciso, mas, é preciso me encontrar. Noites em claro, dias escuros e ainda assim não me tornei duro o suficiente. Meu coração tem olhos que não evidenciam a clarividência do mal. É triste, muito mais ainda, contatar que próximo ele existe. A veracidade aflora e tudo agora faz parte de uma vala comum. As fotografias são frias, o que está estático na foto fica fluente nas atitudes vazias. Um tempo é mais do que um dia. Valores não contam para quem acumula sacos de hipocrisia. Falta amor no espaço, no pedaço e sem amor não sei o que faço. Ajunto os trapos, lavo pratos sujos onde um dia comemos ou ainda comeremos. Coisas de sangue, lágrimas também. De tudo o que temos, falta o que a vida e pessoas nos ensinaram a ser. De tudo o que foi dado se torna ín mo pelo o que foi guardado. A escola da vida é uma universidade de caminhos diversos e alguns controversos.
Cada um escolhe o seu. Sigo uma trilha deixando os meus rastros. Se seguido for, façam melhor, por favor. O rio corre para o mar e o verbo nascer não existe sem um findar. Nesse intervalo muitos vivem por amor, para amar. Como um rio, quedas, desvios, correntezas e calmarias, um dia você terá que passar. Demonstre, prove como conseguiu dessas se safar. Sozinho é impossível! Por mais perfeito que se sinta ou tente parecer. Não se nega o agradecimento a uma mão invisível que nunca soube valorizar. Um gesto de nobreza é permeado por sorrisos, lágrimas numa vida divinamente espetacular. Vem lá de cima, de alguma forma Ele não deixa de nos ajudar. Por experiência posso afirmar: a mediocridade é refletida nos atos e não na foto da carteira de identidade. Aparências são adornos que contornam e encantam um ser vazio. Na falta de essência a imagem não se sustenta. Virtudes e valores não são revelados nas fotos e sim nas digitais. Elas são únicas, por isso, nunca seremos iguais.