Ano novo, amor velho. Sempre fui apaixonado com a escrita de Clarice Lispector, a forma única de Clarice em ver o mundo sempre me cativou. Durante o ano de 2022 nas idas mensais a Livraria Mega Morais pra escolher a leitura do mês a compartilhar com vocês eu sempre namorava uma publicação em específico: Todas as cartas da Clarice Lispector. Daí venho janeiro, ano novo, amor velho e achei que exatamente a hora certa de ler este.
O gigantesco livro assim como diz pelo nome reúne correspondências escritas por Clarice Lispector ao longo de sua vida, as quase 900 páginas têm como ponto alto o conjunto de correspondências endereçadas aos amigos escritores de Clarice, tendo entre os destinatários nomes como João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga, Lêdo Ivo, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles, Natércia Freire e Mário de Andrade.
Coincidentemente ou não, em dezembro tive a oportunidade de assistir ao documentário – a descoberta do mundo – um documentário que trás um ensaio documental criado a partir de uma seleção de depoimentos da escritora, entrevistas com amigos e familiares em uma costura poética visual com trechos adaptados da sua obra; desta forma a junção da leitura do todas as cartas mais esse caminhão de conhecimento de quem foi Clarice me fez gostar ainda mais dela.
Ler o todas as cartas é desnudar quem foi Clarice. Em uma destas para o namorado da época Clarice reclama com este o fato de que sua carta anterior ao contrário do que ele reclamava não estava escrita de maneira poética ou literária, era apenas o que ela estava de fato sentindo na hora e necessitando falar, porém, literária e poética na verdade era também o sangue de Clarice Lispector, ainda que esta se prestasse ao papel de apenas perguntar o outro se estava tudo bem as palavras se encontravam de uma forma a tornar aquilo literatura, pois literatura era sim a sua alma.
Amiga de muitos, viajada, complexa, mas acima de tudo sozinha. Os encontros de Clarice com sua solidão e o sentir estrangeira em todos os lugares que se habitou eram reclamações recorrentes das cartas de Clarice para todos os seus amigos e familiares. Bem relacionada, neste livro temos a oportunidade de ler seus escritos para familiares, amigos escritores e até mesmo ao presidente da república. Clarice sabia de fato ao que veio ao mundo.
Nos dias de hoje, após o centenário de Clarice Lispector passamos a ter maior noção de quem foi esta gigantesca e bela incógnita da literatura brasileira, entretanto, indiferente ao quanto possamos hoje louvar e anunciar o tamanho e a importância de Clarice no legado da nossa literatura ela ainda continua sendo gigante e anos luz a frente da sua época, sua complexidade e tudo aquilo que foi escrito por ela ainda há de permanecer e reverberar conosco por muitos e muitos anos.
Um livro que é também uma ode a literatura brasileira, um maior respiro e conhecimento de quem foi Clarice e acima de tudo um encontro com nós mesmos, pois além de contar das dores dela em uma forma que só Clarice consegue ser contamos também de cada uma de nossas dores em suas centenas de cartas. Brilhante.
Paulo Fonsêcà