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Sociedade e meio ambiente: o que temos para comemorar?

Valdir de Castro Oliveira

No dia 5 de junho passado comemoramos o Dia Mundial do Meio Ambiente e que ganhou grande destaque em toda a mídia nacional.

Não sei bem se aqui ou em outros lugares a palavra comemorar seja a mais apropriada para nos referirmos ao meio ambiente e a este dia. Talvez possa ser se nela identificarmos o sentido de reflexão e de percepção para que possamos tomar consciência sobre o atual estágio da civilização humana e de que maneira não apenas estamos degradando o meio ambiente, mas também de como interferimos e ajudamos a extinguir outras formas de vida no planeta e colocando em risco a nossa própria existência.

Foi pensando nesta questão que li o jornal Notícias, da Vale, de maio de 2022, distribuído nos domicílios de Brumadinho, quando me deparei com a seguinte notícia publicada em sua primeira página: “Borboleta rara é encontrada”.

A abertura da matéria (lide, no jargão jornalístico) nos informa que assim como as abelhas, as borboletas possuem papel fundamental para o equilíbrio e a recuperação da natureza. Em seguida informa que uma espécie rara de borboleta foi reencontrada em Brumadinho pelos biólogos da Vale e por especialistas sendo conhecida pelos cientistas como Parides burchellanus.

Segundo o Boletim, ela, assim como muitos animais, está ameaçada de extinção fazendo parte da Lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.

Por outro lado, fiquei triste ao saber que uma cobra jiboia virou notícia na mídia ao ser atropelada e morta no caminho do Inhotim.

Refletindo sobre estes dois acontecimentos, remexi em meus arquivos e neles encontrei um exemplar da Revista Realidade publicado em 1973 pela Editora Abril. Esta revista foi um marco no jornalismo brasileiro tanto em termos visuais quanto textuais e o número por mim encontrado dizia respeito a uma extensa reportagem de 36 páginas feita por dois repórteres com belíssimas fotos coloridas e um texto primoroso sobre o Pantanal Brasileiro ainda muito bem preservado nesta época. Apesar da beleza das fotos a reportagem já nos alertava para os perigos que corria o Pantanal diante da crescente degradação ambiental a que estava sujeito caso não houvesse um adequado manejo dos seus recursos naturais, inclusive sobre a estrada transpantaneira construída pelo governo militar na época com o intuito de “desbravar” o Brasil “selvagem” em nome do progresso.

Lembrei-me imediatamente da novela Pantanal atualmente em exibição pela Globo, um remake de inquestionável sucesso desde que foi exibida pela extinta TV Manchete dos anos 90. Tanto a reportagem da Revista Realidade quanto a novela exibida em 1990 e em 2022, têm como pano de fundo não apenas os conflitos culturais e pessoais entre os personagens, mas sim de como eles interferem no meio ambiente e a forma de como lidam com ele. Quando um dos personagens (o Velho do Rio) nos diz que a quantidade dos peixes dos rios está diminuindo, ele nos dá a entender que isso é o resultado da intervenção humana no meio ambiente através de ações predatórias ou ambientalmente pouco planejadas.

Neste cenário cabe ao agronegócio e as autoridades governamentais a maior responsabilidade por conduzir um desenvolvimento pensando apenas nos meios e nos fins comerciais. Para isso desmatam para plantar, polui rios como resultado do uso intensivo de agrotóxicos, enquanto grileiros e outros ocupantes das terras locais geram muitos conflitos agrários, além de provocar forte impacto na vida da população indígena que ainda vive nesta região. Com isso o paraíso natural representado pelo Pantanal vai se transformando em uma terra sem lei e sem civilidade e perdendo aos poucos suas características e provocando forte desequilíbrio ambiental na região.

Mas situações muito parecidas ocorrem também em muitas outras regiões do Brasil e que colocam em risco as nossas outrora exuberantes e peculiares regiões de cerrado, de caatignas e do que restou da exuberante Mata Atlântica em vários estados brasileiros, colocando em risco os recursos naturais e as várias formas de vida ali existentes.

Isto me leva a perguntar: será que o desenvolvimento buscado ontem e hoje só pode acontecer degradando e desequilibrando o meio ambiente, a natureza e dizimando as outras formas de vida cujos resultados podem comprometer a própria espécie humana?

Com esta pergunta, retomo a notícia publicada no boletim da Vale sobre rara e frágil borboleta que foi reencontrada em Brumadinho por biólogos da Vale.

Ora, esta borboleta, assim como os pássaros, as onças, os ratos, as cobras, os tiús, os pardais, os urubus, os morcegos, os peixes, a vida microbiana, os cursos d’águas, o vento, o mar e o céu fazem de um ambiente equilibrado do qual fazemos parte, mas que hoje está fortemente comprometido por causa do nosso estilo de vida e pelas nossas formas de manejo da natureza, além dos intensos e sofridos conflitos humanos e políticos que estas questões provocam entre os próprios homens.

Neste cenário negativo devemos ter consciência de que o nosso mundo é frágil, assim como a própria vida é frágil.

Mas se refletirmos de que Deus nos deu a consciência e a capacidade para pensarmos, raciocinarmos e agirmos para preservar tanto a nossa própria vida quanto outras formas de vida, como a da rara borboleta encontrada pelos biólogos da Vale, em busca de um sensato equilíbrio entre as várias forma de vida do planeta, embora alguns setores, autoridades políticas e pessoas pouco se lixem tanto para uma coisa quanto outra.

E aqui, mais uma vez, retomo a admirável encíclica do Papa Francisco, a Laudamo Si, na qual nos diz ser de nossa responsabilidade proteger tudo aquilo que é frágil no mundo, ou seja, a nossa oiko, termo usado pelos gregos para se referir a casa em que vivemos, expressão que geraria a palavra economia (modo de viver e de cuidar daquilo que está em nossa volta, sejam as pessoas, os animais, os insetos ou plantas).

Com isso ele está nos dizendo que cabe a nós humanos a grave responsabilidade de cuidarmos seja da rara borboleta encontrada pelos biólogos da Vale em Brumadinho quanto de tudo o que vive e faz parte do nosso planeta terra, ou seja, da herança que Deus deixou sob a nossa responsabilidade.

Ailton Krenac eleito para a Academia Mineira de Letras

Em meio a tudo isso fiquei muito feliz com a notícia de que Ailton Krenak, um grande líder indígena e ambientalista de mão cheia, originário da tribo dos Maxacalis, e um grande intelectual humanista, nascido em Itabirinha, na região do Médio Rio Doce, foi eleito para ocupar uma cadeira na Academia Mineira de Letras, fato inédito neste país.

Ele é autor de vários livros, entre eles “Ideias para adiar o fim do mundo”, “A vida não é útil” e “O Amanhã não está à venda”. Ativista da causa indígena e do meio ambiente, Ailton é figura fundamental entre os pensadores, filósofos brasileiros e pessoas preocupadas com a questão ambiental, o respeito às minorias e com o futuro da humanidade.