/O Longo e Tortuoso Caminho

O Longo e Tortuoso Caminho

Queridos leitores, quem dera eu poder escrever sobre a música quase homônima ao título desse artigo que, para mim, é a melhor produção dos Beatles. “The long and wild road”, ou seja, a longa e selvagem estrada é o que infelizmente esperam as comunidades de Brumadinho na reconstrução de nossa amada terra depois do brutal crime cometido pela Vale.

Muitas violações de direitos têm acontecido. Ao desaparecimento de pessoas amadas e respeitadas em nossa comunidade, já por si um crime brutal, estão se somando outras violações de direitos desde os sepultamentos rápidos, passando pela resistência da empresa em pagar pelos seus crimes até uma onda de instituições e pessoas que nunca pisaram no solo de Brumadinho e que agora se tornaram “as melhores amigas de todos os tempos” de todos as pessoas que construíram e constroem uma história de vida de anos, de décadas em nosso município.

Os serviços públicos, outrora celebrados como capazes de atender com qualidade as demandas do município, agora estão sobrecarregados, trazendo sofrimento e psicopatologias também para os trabalhadores públicos. Vejam o grave contexto dos serviços de saúde; vejam a ansiedade e sofrimento dos trabalhadores da educação e da assistência social na cidade.

A qualificação de organizações da sociedade civil para desenvolver assessorias técnicas e ajudar na re- construção de nosso município também inspira dúvidas. Apenas uma instituição local, já atuante no município, conseguiu se qualificar para tal. A pergunta que incomoda a muitos, cujas respostas são agressivas e até antidemocráticas, denegrindo e difamando injustamente a quem pergunta, é se essas assessorias técnicas conseguirão duas grandes façanhas: a) garantir com efetividade e celeridade que não haja mais violações de direitos em Brumadinho; b) garantir a superação da “minério- dependência”.

Até as soluções trazem um ar de desafio e novos problemas, ainda mais complexos, vide a movimentação que o pagamento de um salário mínimo por mês está trazendo para a cidade. Infelizmente, sabedoria no gasto e investimento desse recurso é o que anda faltando a muitos. Junto com o dinheiro gasto de forma equivocada, vem a atro a da confiança entre as pessoas na cidade, pois os golpes financeiros e exploração através do aumento de preços fervilham. Soma-se a isso o gasto equivocado desse dinheiro com consumo supérfluo, sem a efetiva melhoria das condições de vida de muitas famílias.

Várias pessoas, de uma forma que causa profundo espanto, demonstram-se agora enfaradas com as conversas sobre mortes, desaparecimentos e saudade dos entes desaparecidos pelo crime da Vale em Brumadinho. Outras famílias se deixaram envolver de tal forma em torno das expectativas com a vida de mais “vil metal” para seus bolsos, ou seja, mais dinheiro de indenizações, que são capazes de deixar crianças e jovens ao seu próprio léu. E justamente em um município cujas opções de lazer e cultura para as comunidades são tão precárias. Aí está um caldeirão explosivo que exige de todos que têm carinho, amor, respeito e interesse por Brumadinho, mais pro-atividade na construção de uma sociedade e de comunidades que saibam cuidar de si mesmas, coletivamente e solidariamente.

Infelizmente, para alguns segmentos da sociedade de Brumadinho as mineradoras são um mal necessário. A pergunta que não quer calar é qual a extensão desse mal. Uma delas, a mais perversa de todas, que pode ser considerada uma psico- patologia social, uma “doença mental” da sociedade brumadinense, é que mesmo diante das brutais mortes derivadas do crime da Vale, algumas pessoas não conseguem enxergar outras saídas para o desenvolvimento do Município que não estejam ligadas à submissão às mineradoras.

Mata-se não apenas pessoas com a “minério-dependência”, mata-se a esperança, mata-se o imaginário, para que Brumadinho continue sendo uma cidade empoeirada e de poucas alternativas socioeconômicas. Mesmo que o turismo, o meio ambiente, a gastronomia e a cultura local estejam aí saltando aos nossos olhos como alternativas de desenvolvimento, permanecem à margem e invisibilizadas pela poeira da mineração.

Mas há esperanças. Elas sempre se materializam quando vem somadas com muita luta. Luta e luto são traços dessa longa caminhada de recuperação que Brumadinho tem pela frente. Algumas experiências em diferentes partes do mundo mostram que é possível se alcançar o chamado Bem Viver, se libertando da mineração, se liberando da “minério-dependência”. Para isso, é importante haver protagonismo local (ter pessoas de Brumadinho a frente dos processos de reconstrução e não como meros beneficiários do trabalho de outros), é importante reorientar toda a economia local para gerar resultados ou agregar valor efetivo para a qualidade de vida no Município, para gerar os chamados valores sociais e ambientais, e não permitir que grandes corporações dominem e monopolizem as atividades econômicas na cidade, sejam elas mineradoras, sejam elas ligadas à cultura e ao turismo.

A luta não é fácil, o caminho é pedregoso, o combate é difícil, mas no final dele pode haver a paz de coração de um Paulo de Tarso, que “combateu o bom combate”.

E você, querido leitor, qual luta vai querer lutar, enlutado?!