/Flor de Esperança

Flor de Esperança

Brumadinho foi ferozmente atacada por um crime de proporções ainda não totalmente compreendidas por todos nós que somos “Filhos de Brumadinho”, e também pelos especialistas em diferentes áreas de conhecimento. Se havia um namoro e um casamento de longa trajetória entre a cidade e a mineração, sobretudo a Vale, essa relação foi desfeita de forma trágica, brutal e criminosa.

A presença de diferentes instituições, agentes e atores do Estado, de consultorias e serviços técnicos e também de grupos da sociedade civil que lidam com tragédias, catástrofes e desastres no município mudou a dinâmica cotidiana de forma abrupta. Foram outras ondas que chegaram a Brumadinho, além da assas- sina onda de lama que matou e fez desaparecer tantas pessoas queridas no seio de nossas comunidades. E novas ondas virão no longo e tortuoso caminho que Brumadinho tem pela frente em seu futuro. Quando comparamos a situação de Mariana e do Vale do Rio Doce com a de Brumadinho, percebe-se que essas ondas de instituições, organizações, técnicos e pessoas bem intencionadas, algumas delas bem intencionadas apenas no dis- curso, nem sempre trazem a prosperidade de volta aos territórios que foram criminosamente massacrados pelos desastres da mineração. Brumadinho se tornou manchete e foco da atenção da mídia internacional e nacional. Mas, como também muitos já perceberam, outras tragédias, crimes e brutalidades vão ocupando o espaço midiático antes preenchido pela nossa cidade. As fotos e imagens dos muitos esforços das equipes de socorro, da destruição ambiental, do sofrimento das famílias e das mortes vão dando lugar a outras imagens no noticiário. Muitas dessas imagens nunca desaparecerão para o povo de Brumadinho e para todos que amam nosso território. Uma dessas imagens, que tomei para metáfora e título de meu artigo é de uma flor amarela que resistiu ao mar da lama criminosa que matou tan- tos lugares e pessoas.

Essa flor simboliza a esperança de renascer, mas renascer sem esquecer. Uma das muitas mensagens de solidariedade a Brumadinho que viralisaram nas mídias sociais afirmava de forma indevida, inescrupulosa, sem nenhum fundamento nas ciências da psique humana, que não deveria ser citado o nome de Brumadinho para não estigmatizar a cidade. Por detrás dessa ideia a princípio positiva, estava também a perspectiva de que Brumadinho deveria esquecer tudo isso em um futuro breve. Além disso, não ser factível, real, plausível, trata-se de um brutal desrespeito a dor de todo um município e um grave equívoco quando se lida com grupos e pessoas que passam por traumas e luto. Enfim, essa flor amarela significa que já estamos renascendo porque sequer acabamos ou morremos, como alguns teimam em afirmar por aí, e que não esqueceremos a lama assassina.

A esperança que se instala agora no município tem muitos desafios pela frente. A cidade tem agora de repensar a si mesmo e seu futuro, terá que revalorizar muitas de suas vocações de desenvolvimento não dependentes da mineração, que antigamente ficavam em segundo plano pela pujança da atividade minerária na cidade, para entender com plenitude que não há só minério e lama em Brumadinho. Há gente, comunidades, cultura, turismo de esportes radicais, há natureza e lugares que oferecem formas de se viver bem em contato com a natureza preservada. Essas também são vocações da cidade.

E as comunidades em Brumadinho precisam e devem urgentemente tomar para si o papel de centralidade, autonomia e protagonismo nesse repensar de caminhos que se apresenta. Para isso, devem com bastante independência, senso crítico e coragem compreender quem são esses grupos que agora vem atuar no município, nas reparações do crime cometido e na construção de no- vos caminhos de desenvolvimento e sustentabilidade. Aqueles grupos que se propõem a respeitar de forma radical o protagonismo das comunidades de Brumadinho, não apagar ou capturar seus lugares de fala e fazer “com” a cidade, não fazer “para” ou “pela” cidade, são aqueles que merecem nossa maior atenção e caminhada em parceria.

Para finalizar, gostaria de convidar a todos e todas que leem esse artigo a conhecer e se juntarem ao movimento apartidário, inter-religioso, interdisciplinar e inclusivo “Eu Luto, Brumadinho Vive”, cujas lutas se fundamentam em: a) afirmar que foi crime; b) que foi crime empresarial (ou corporativo – não basta prender alguns gerentes de médio escalão, técnicos e consultores); c) que Brumadinho não morreu, desapareceu ou acabou; d) que toda a cidade foi afetada, visto que há famílias que perderam entes queridos e propriedades, mas toda a cidade está abalada, afetada e em luto, e foi impactada por essa lama criminosa; e) que a reconstrução que virá deve ser feita fortalecendo as políticas públicas e agentes públicos já existentes no território e as ONGs e projetos sociais previamente existentes aqui, antes do crime; f) que Brumadinho deve preservar essa memória para sempre, nunca esquecer desse crime, pois nossa história não pode ser desprezada ou apagada. O movimento Eu Luto, Brumadinho Vive espera muita coisa, tem muitas esperanças, como muitos de nós brumadinenses, a maior dela é que não se repita a impunidade e inoperância dos projetos de reconstrução que se vê infelizmente hoje em Mariana e no Vale do Rio Doce.

Deixo minhas profundas condolências a todos de Brumadinho, com um abraço solidário, acolhedor e de dor para aqueles que perderam parentes, amigos e pessoas próximas e queridas, para aqueles que perderam posses, mas também para todos os habitantes do município, pois estamos todos afetados na alma com o crime perpetrado em nosso território.

Essa lama varreu muita gente querida e muita coisa em Brumadinho, mas não varreu e sepultou nossa alma. Estamos vivos. Nossa esperança e força para sermos protagonistas dessa reconstrução está viva, simbolizada na flor amarela que sobreviveu à lama assassina.