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Extrativismo de Dados em Brumadinho: um lado obscuro da Indústria de Regeneração

As comunidades de Brumadinho, para bem e para mal, se acostumaram com décadas de atividade extrativista mineral no seio de seu território. Esse extrativismo mineral gerou muitas riquezas, mal distribuídas e que não resultaram, antes mesmo da tragédia-crime da Vale em 2019, em efetiva riqueza e qualidade de vida para as comunidades de Brumadinho.

Porém, não apenas debaixo do solo se encontram recursos importantes para a geração de riquezas e para a gestão das sociedades no século XXI. Para fazer a vida acontecer no modo de vida que chamamos de moderno, um jeito de vida basicamente urbano, nas cidades, outros recursos também são essenciais. Nos tempos atuais, informações são recursos tão importantes quanto os minerais de elevada qualidade no subsolo de Brumadinho.

Sobretudo após 2019, com a entrada nos territórios de Brumadinho de uma série de organizações não-governamentais, movimentos sociais e ambientais, consultorias e assessorias técnicas e pesquisadores de universidades, as informações passaram a valer ouro. Um ouro que pertence ao povo de Brumadinho, mas que raramente, depois de extraído e processado, retorna às comunidades não apenas na forma de bons projetos, mas também como um direito inalienável de cada cidadão brumadinense.

Informações coletadas através de questionários, que fazem correr muito dinheiro para consultorias e assessorias técnicas e, em alguns casos, para determinados projetos de universidades, são de propriedade das comunidades, não de quem extraiu essas informações.

A questão informacional é tão grave nos tempos atuais, que uma série de leis mundo afora busca proteger o cidadão do assédio, da usurpação e do tratamento de dados que relevam muito do que as pessoas fazem, pensam e sentem. Na chamada “Sociedade do Big Data”, é como se nada escapasse da vigilância de grandes empresas do ramo da mídia, governos e também muitas organizações da sociedade civil.

Além disso, o acesso às informações que dizem respeito ao setor público e a ação de seus agentes no exercício de suas funções públicas, bem como aqueles que agem em nome do Estado em determinados contextos, como as consultorias e assessorias técnicas, são um direito essencial de qualquer cidadão. Transparência e acesso à informação são leis e procedimentos de operação do Estado brasileiro que se somam no rol de iniciativas de modernização dos direitos e da cidadania e de democratização profunda do país.

Infelizmente, em Brumadinho tudo isso vai de mal a pior. Foram coletados dados de forma invasiva e antiética em diferentes momentos do pós-tragédia crime de 2019. Essa coleta de dados muitas vezes tem desrespeitado protocolos essências de ética na pesquisa, por diferentes atores, sejam eles do próprio Estado, sejam eles das consultorias contratadas pela Vale ou das organizações não-governamentais, movimentos sociais e assessorias, que em Brumadinho aparecerem como um verdadeiro enxame de abelhas. Quem não se lembra do assédio às famílias do Córrego do Feijão, enlutadas, que chegaram a receber seis visitas de pessoas e instituições diferentes em um mesmo dia, logo após o rompimento da barragem?!

O mesmo pode-se dizer das universidades. Em um determinado momento, mais de 20 universidades do Brasil e do mundo estavam atuando em Brumadinho, muitas delas com uma concepção de extensão universitária muito questionável, fazendo de nosso território um lugar fértil para teses, dissertações, estudos e relatórios que somam muito à carreira acadêmica de muitos e bem menos às lutas contra a violação sistemática de direitos que acontece aqui desde 2019.

Há exceções, a partir de pessoas e instituições com comportamento exemplar. É a partir dessas pessoas e instituições com uma ação de pesquisa, diagnóstico e intervenção social mais orientados para o protagonismo, autonomia e centralidade dos atores locais e comunidades de Brumadinho que poderemos superar o grave quadro de extrativismo de dados e informações que se estabeleceu aqui.

Cabe também se empoderar com metodologias e técnicas de produção de dados e informações nas quais as comunidades são responsáveis, elas mesmas, por coletar, sistematizar, integrar, compreender e colocar essas informações a serviço dos próprios anseios das comunidades. Essa é a pesquisa e diagnóstico de ponta, longe do tradicional elitismo de pesquisadores e técnicos de determinadas consultorias, assessorias e empresas que se consideram os únicos capazes de gerar conhecimentos válidos e consistentes para diagnosticar e atuar em Brumadinho.

Porém, nada disso será revertido se as pessoas e os coletivos de Brumadinho não tiverem também uma ação incisiva, urgente e inarredável na luta pelas informações, sistematizações e análises que pertencem ao povo de Brumadinho. Se nada disso mudar, continuaremos a ficar sabendo sempre por último que nossa água está contaminada, nosso ar está impróprio, que muitos outros problemas graves ainda não foram sanados em Brumadinho.

Chegou a hora de lutar não apenas contra a sanha assassina e destruidora do extrativismo mineral em Brumadinho, mas contra também o extrativismo de dados. Vamos à luta, queridos cidadãos da terra onde as brumas teimam a sair e dar lugar ao sol, sobretudo nos dias frios do ano. Por detrás dessas brumas, está um povo que merece mais e melhores informações sobre si, para se conhecer melhor e avançar como comunidade.