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Brumadinho para além da Economia Criativa

Está sendo anunciada a vinda de uma grande rede de resorts para instalar um grande empreendimento turístico em Brumadinho. Muitos e muitas estão entusiasmados com essa possibilidade, vislumbrada como alternativa para um desenvolvimento mais substantivo de Brumadinho, gerando trabalho, renda e emprego fora da mineração e dentro de uma importante vocação do nosso município: o turismo.

Sim, gerar mais e melhores empregos, trabalhos e renda fora da mineração é essencial para o futuro de Brumadinho. Um resort, trará alguns desses benefícios. Porém, só essa iniciativa, sem a pró-atividade do empresariado brumadinense, do poder público local e das comunidades de nosso município, pode resultar em mais riqueza para alguns, geralmente de fora de Brumadinho, e mais empregos com salários de medianos para baixo para o povo que já vive em nossa terra.

Turismo é uma das áreas da chamada Economia Criativa. Acabei de participar de um seminário em Ouro Preto sobre Economia Criativa. Faço parte de uma rede de pesquisadores que integram a chamada Cátedra da UNESCO para a Economia Criativa no Brasil, empreendimento acadêmico liderado por um competente e audacioso colega da Universidade de Viçosa, o prof. Magnus Emendoeffer.

Ouro Preto, a antiga capital de Minas Gerais, carrega hoje, assim como várias outras cidades ao redor do mundo, as belezas e as tragédias de ser um polo turístico. Bela por ser uma cidade patrimônio da humanidade, preservada para não nos esquecermos de nossa história de riquezas minerais, artes, culinária, poesia e outros prodígios, mas também de crimes e tragédias como a escravização do povo preto. Mas também trágica por não conseguir romper os ciclos de concentração de riqueza advindos da extração mineral que geraram e ainda geram nas minas generalizadas que compõem o nosso estado. Trágica por não romper com a exploração, exclusão, preconceito e abuso dos corpos pretos, escravizados e matáveis na ganância pela acumulação de riquezas.

Economia Criativa é uma expressão ampla, genérica e que ao mesmo tempo em que explica muita coisa, pode não explicar nada. No mesmo balaio desse conceito estão presentes a indústria de turismo, o setor de serviços das novas mídias e tecnologias computacionais, os empreendimentos ligados à gastronomia, à culinária e a produção de bebidas e alimentos, os ofícios e seus produtos advindos do artesanato, dentre outras atividades. Portanto, quando falamos de Economia Criativa podemos estar falando de muitas coisas e de nada ao mesmo tempo. Quando conclamamos o poder local, o executivo e o legislativo municipais a terem mais e melhores planos para a Economia Criativa de Brumadinho, por exemplo, podemos querer tudo e com isso não alcançar nada, pela dispersão de ações em várias frentes.

Ainda hoje, muitos e muitas em Brumadinho são enamorados do setor de turismo. Eles se esquecem que o turismo pelo turismo não é uma alternativa palpável e clara de geração de trabalho, renda e emprego em bases decentes e construção de histórias de vida e empresariais relevantes. Essas pessoas se esquecem de perceber que Brumadinho sempre foi turística, mesmo antes do Inhotim, e que esse Centro de Arte Contemporânea não é mais uma novidade, já está a 15 anos em terras brumadinenses. O desenvolvimento vindo com o Inhotim e a ampliação do turismo em Brumadinho ainda é precário, parcial e concentrador de riquezas nas mãos de alguns poucos, oferecendo trabalhos ainda de baixa qualificação e remuneração para muitos. Esse tipo de turismo dificilmente fará frente ao canto de sereia dos empregos na mineração, dificilmente será visto com seriedade pela juventude como opção de trabalho e vida.

Brumadinho precisa urgentemente de políticas, programas e projetos, articulando o governo local, as empresas e as organizações não-govermanentais e as comunidades, voltados a constituir em nosso território em um polo de referência em Economia Criativa. Em nenhuma parte do mundo na qual frutificam experiências de empreendimentos criativos, isso adveio apenas do Estado. É essencial o papel da sociedade civil, atuando de maneira proativa, inovadora, criativa e altiva, na construção de realidades que tornam as cidades efetivamente criativas.

Além disso, no caldeirão da Economia Criativa contemporânea não existe espaço para a convivência com empreendimentos pouco modernos em termos de preservação ambiental e justiça social. Para quem pensa que tudo isso é utopia, resta limpar melhor as lentes cansadas, e aqui faço analogia à Machado de Assis, para enxergar o que é óbvio mas muito difícil de ser visto pelos “idiotas da objetividade”, nessa última parte fazendo alusão a Nelson Rodrigues.

Economia Criativa é uma junção entre a inovação e tradição, entre o novo e o antigo, entre aquilo que irrompe para o futuro e aquilo que não nos deixa esquecer a tradição. Brumadinho é cidade prenha de riquezas culturais vindas dos quilombos, do povo preto de nossa terra, das comunidades rurais, da tradição culinária e de ofícios como bordados, crochês e tricôs, da poesia e música de muitos e muitas, desde os antigos boêmios até os novos artistas de nossa terra.

Essa cidade, Brumadinho, tão rica em cultura e tradição, desde o profundamente doloroso crime da Vale em 2019, tem agora a chance de se reinventar em direção a ser uma cidade com qualidade de vida e geradora de empreendimentos e inovações ambientais, sociais, culturais e comunitárias capazes de se tornar referência. Mas, para isso, falta ao poder público local mais qualidade de propostas e planos de ação, ao empresariado local mais amor à própria terra e suas comunidades no lugar da ganância de colocar o dinheiro a frente de tudo para serem mais ricos sempre, às comunidades mais poder e auto valorização para conquistar e manter seu protagonismo no desenvolvimento local e mais respeito por parte da “Indústria da Ajuda”, que se estabeleceu no pós-tragédia crime de 2019 em nosso município. Indústria essa que requenta planos e projetos de outros lugares e pouco enxerga efetivamente, dos grotões de nossa terra, as riquezas que podem florescer nossa Economia Criativa.

Quiçá daqui alguns anos, Brumadinho seja um modelo de Cidade com Economia Criativa, para ensinar ao mundo o que lugares como Ouro Preto, Tiradentes e o Rio de Janeiro ainda não conseguiram construir: que só o turismo pelo turismo não gera desenvolvimento efetivo, profundo e transformador em direção à uma sociedade mais justa, próspera, com qualidade de vida e geração de trabalho, renda e emprego em bases decentes e éticas. Para que a Economia Criativa gere bons frutos para Brumadinho, teremos todos que construir mais e melhor criatividade entre nós, seja pelo poder local, pelo empresariado local já existente em nossa terra, seja pelas comunidades.

 

Téo (Armindo dos Santos de Sousa Teodósio)

Professor da PUC Minas