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Brumadinho e os Direitos Humanos

Direitos Humanos é um tema capaz de despertar debates acalorados na sociedade. Em especial, nos últimos quatro anos, virou alvo de críticas muito incisivas, para dizer pouco, por parte de um segmento da sociedade brasileira.

Brumadinho, como mais uma dentre os milhares de municípios de nosso imenso país, marcado por uma grande diversidade, mas sobretudo por uma brutal desigualdade, vive uma relação de amor e ódio com o tema dos Direitos Humanos desde a tragédia-crime de 2019. Relação de amor, digamos assim, porque o que aconteceu em 2019, com a morte de mais de 200 pessoas foi e sempre será um atentado contra os Direitos Humanos. Ódio, digamos assim, porque muitos em Brumadinho ainda tem profunda resistência e preconceito como os Direitos Humanos, recorrendo para piadas sem graça alguma, como chama-los de “Direitos dos Manos”, como sinal de que seriam regalias para cidadãos que não merecem tratamento justo, igualitário e ético por parte do Estado e da sociedade.

É importante lembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, um dos passos mais importantes da humanidade em direção à disseminação dos Direitos Humanos, foi redigida e teve como signatários diferentes países do mundo após a II Grande Guerra Mundial. Além disso, ao contrário do que os detratores dos Direitos Humanos parecem acreditar, mesmo que inconscientemente, não existem Direitos Humanos apenas para alguns humanos, ou se tem Direitos Humanos para todos os humanos ou para ninguém. Essa é uma essencialidade desse princípio que não só Brumadinho, mas o Brasil e todo o planeta ainda está por compreender em sua profundidade, amplitude e irredutibilidade, ou seja, sob a qual não há negociação alguma.

Brumadinho é um lugar de se viver, existir e resistir como pessoa, como comunidade, como sociedade, que tem muitas virtudes e muitos problemas. Cada vez mais, no seio das comunidades de Brumadinho, surge a empatia com os seres não humanos também. Na sequência de sociedades cada vez mais orientadas para o cuidado com o meio ambiente, com a natureza, com o planeta terra como organismo vivo que nos dá vida, pessoas e mais pessoas se solidarizam com animais que vivem sob maus tratos. Isso é belo e altivo, e tem se disseminado em Brumadinho, em diferentes comunidades. Porém, infelizmente, a mesma pessoa que se solidariza com o sofrimento dos animais não humanos, não é capaz de ser solidária com o sofrimento dos humanos.

Para os detratores dos Direitos Humanos, existiriam duas ou mais classes de cidadãos e pessoas. Aquelas chamadas de “Pessoas de Bem” e toda sorte de outras pessoas, retratadas por discursos amplamente disseminados na sociedade brasileira, seja no passado, seja atualmente, como párias, expúrias, malandros, vagabundos, preguiçosos, depravados, etc., etc. Como alguns amigos do campo do Direito gostam de dizer, um segmento importante das “Pessoas com Bens”, ou seja, pessoas ricas e com boa condição de vida, sempre são rápidas em se opor aos Direitos Humanos das demais classes sociais.

Direitos Humanos se tornou uma matéria e uma luta política e social que foi se tornando cada vez mais exigente ao longo da história, sobretudo da história recente da humanidade. Hoje, o que se compreende por Direitos Humanos envolve desde o direito à vida, como o direito a liberdade de expressão, o direito à democracia (votar e ser votado), os direitos econômicos (ao trabalho, à renda, à sobrevivência e construção de projetos de vida), os direitos ligados à cultura e ao exercício da fé e religiosidade e o direito ao “meio ambiente saudável”, como expressa a constituição brasileira.

Essa noção dos Direitos dos seres humanos, antes de ser reconhecida como Direitos Humanos em si, ou seja, antes de ser chamada assim, já estava no bojo, no seio das diferentes comunidades humanas ao longo da história, sempre marcada pela solidariedade, o cuidado, o respeito e a empatia entre pessoas, comunidades, grupos étnicos, povos e países. Sim, a história da humanidade é uma história de barbaridades, mas é também a história da crescente consciente dos Direitos dos homens e dos seres sensientes, ou seja, todos os seres capazes de sentir dores e emoções, mesmo não sendo humanos.

Desde a tragédia-crime de 2019, Brumadinho se tornou um marco mais visível nos debates nacionais e internacionais sobre Direitos Humanos. Muitas comunidades, grupos e pessoas passaram a se organizar por lutar por seus direitos a partir da ampliação da violação de direitos que se estabeleceu em nossa terra, mesmo depois que a onda de lama mortal se foi embora. Muitos direitos continuam diariamente sendo violados em Brumadinho. E muito luto ainda está entre nós, como deve ser quando perdemos pérolas preciosas, pessoas preciosas, no seio de nossa comunidade. Muito desse luto virou luta por direitos dos atingidos e de todos e todas de Brumadinho.

Mas, ainda de forma surpreendentemente contraditória percebemos que os mitos que lutam por direitos dos atingidos e dos brumadinenses, tem ainda imensa dificuldade em se solidarizar com diferentes outros grupos que sempre tiveram seus direitos violados em nossa terra, em nosso país e até no planeta. Dessa forma, Direitos Humanos ainda permanece um assunto ou direitos somente para alguns de Brumadinho. Esse é o caminho para não se conseguir nada, pois a essencialidade dos Direitos Humanos pressupõe que ou todos e todas têm direitos, ou ninguém tem direitos.

Não há mais espaço, seja em Brumadinho, seja no mundo atual, para perdurarem preconceitos, silenciamentos e resistências veladas e também explícitas contra os direitos de vários grupos e segmentos da sociedade que historicamente foram alijados de seus direitos. Não há mais espaço para preconceitos contra mulheres, negros, povos indígenas,trabalhadores e trabalhadoras de outros estados, sobretudo nordestinos que migraram recentemente para nosso município, quilombolas, pessoas com deficiência, pessoas que vivenciam uma religiosidade não cristã e de matriz africana, pessoas com orientação sexual LGBTQIA+, pessoas de classes populares, periferias e áreas rurais, das comunidades de periferia, pessoas em situação de rua e tantos outros e outras que sofrem com estigmas e rótulos que tentam coloca-los como cidadãos de segunda classe, sem direito aos Direitos Humanos.

Sempre foi otimista com relação à Brumadinho, pois parte importante do que sou aprendi com os belos ensinamentos que recebi por conviver com diferentes pessoas de nossa terra, mas confesso que me atravessa o coração perceber que ainda temos pessoas de muito boa fé que reconhecem Direitos Humanos apenas para alguns, e não para todos, em nosso município. Acredito no poder das novas gerações, mais despidas da caretice e dos preconceitos que ainda perduram no jeito de ser brasileiro. Que floresçam as novas gerações em Brumadinho.

 

Téo (Armindo dos Santos de Sousa Teodósio)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas