/Brumadinho e o País abençoado por Deus

Brumadinho e o País abençoado por Deus

Dizem que o Brasil é um país tropical abençoado por Deus. Uns chegam até a dizer que, por causa disso, Deus só pode ser brasileiro. Afinal não temos furacões, tornados, vulcões, terremotos ou outras tragédias similares que afetam diversos outros países.

De fato, não temos nada disso. Às vezes um tremorzinho de terra daqui e dali, uma chuva ou uma seca mais prolongada que não chegam a provocar grandes tragédias.

Se não temos nada disso, em compensação, assistimos quase que diariamente outros tipos de tragédias que estão tão entranha- dos em nosso cotidiano que mal nos damos de como este gigantesco país se mantém deitado eternamente em sono plácido.

Muitas vezes este engano nos leva a pensar que as tragédias que gorjeiam em outros países não sejam as mesmas que gorjeiam por aqui. Mas, nem por isto, deixam de ser tragédias.

Quem não se lembra de Mariana? Da boate Kiss, no Rio Grande do Sul, dos prédios e viadutos que desabam sem maiores explicações alimentando mundialmente e negativamente a fama da nossa engenharia? E as chuvas torrenciais que desabrigam e matam centenas de pessoas em que depois os sobreviventes ficam a mercê do Estado esperando alguma ajuda que quase sempre se perde nos labirintos de sua pachorrenta burocracia, principalmente quando se trata da população mais pobre?

Isto sem falar de como os nos- sos sistemas de fiscalização que vira e mexe sofrem inusitadas ingerências políticas em decisões técnicas.

E quando alguma funciona ou um funcionário exemplarmente diz que o “Rei está Nu” ele pode ser demitido ou amargar o ostracismo na máquina burocrática.

E diante das tragédias a que assistimos quase que diariamente, raramente alguém é punido, como aconteceu em Mariana!

Isto me fez lembrar as tragédias gregas cuja encenação teatral sobre os acontecimentos vividos pela sociedade servia de exemplos para que a população e os governantes sobre eles refletissem evitando a sua repetição no futuro.

Infelizmente, no Brasil as tragédias parecem não nos servir de lição, pois nossos governos e nossos empresários delas não tiram proveito deixando de invocálas como exemplos de aperfeiçoamento de suas governanças ou para torná-las mais sábias e prudentes evitando ou, quem sabe, amenizando e consolando a dor que provocam na vida alheia.

Contrário a isto queremos registrar aqui os gestos de solidariedade que tomaram conta de Brumadinho e do país que resultaram em doações, gestos e palavras de consolo na tentativa de amenizar a dor das pessoas afetadas por este trágico acontecimento formando um espetáculo maravilhoso contrastando com o luto das dezenas de famílias que perderam seus entes queridos neste fatídico acontecimento.

Registro e reconheço aqui o esforço extraordinário de grande parte da mídia nacional para conferir a este acontecimento um mínimo de inteligibilidade para o público afim de que possa compreendê-lo e criticar a quem de direito, situação que contrasta com os informes das autoridades e da Vale que, ao que parece, sabem conjugar o verbo de ação apenas no futuro: “vamos fazer”, “prometemos fazer”, “vamos cumprir a lei”, entre outras expressões, exaltando mais a filosofia do “leite derramado” do que ações concretas de como limpar o chão que sujaram ou que possam evitar que este tipo de leite não mais seja derramado. Por outro lado registro também a importante contribuição das mídias locais que cuja contribuição para manter a sociedade mobilizada através da informação e do debate é inquestionável, como vem sendo o caso das redes sociais digitais que, embora com alguns exageros daqui e dali, às vezes acompanhados de alguns indefectíveis fake news, estão cumprindo exemplarmente o papel de estimular o debate público e disseminar informações de utilidade pública estabelecendo redes informativas de solidariedade entre as pessoas afetadas ou não por esta tragédia.

Neste quesito destaco a importância dos jornalistas da cidade (Thales, Giovani, Gilmar, Sirleno, Fernando Moreira, entre outros) que, ao dar relevância ao ofício de debater e informar, estão mostrando o que está acontecendo após o rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho. Igualmente destaco os sites Agora é Transparência (Guilherme Drumond) e o Memorial de Brumadinho (Marcélia de Deus) ou o Facebook que estão permitindo e estimulando as pessoas debater e compartilhar informações sobre esta tragédia.

Também não posso deixar de mencionar e enfatizar o importantíssimo papel que está cumprindo a Rádio Regional, a antiga Inter, ao disponibilizar toda a grade de sua programação para informar e discutir exemplarmente este fatídico acontecimento tornando-se assim em uma importantíssima fonte de referência para a população local ao checar e transmitir informações relevantes e alimentar a solidariedade das pessoas.

Nesta toada não posso deixar mencionar também o papel heroico dos membros do Corpo de Bombeiros que, com sol, chuva, se enterram ou rastejam na lama tóxica da barragem de rejeitos da Vale para resgatar corpos ou pessoas correndo risco de vida. Neste esforço incluo também o trabalho da Polícia Militar, da Defesa Civil (estadual e municipal), os militares israelenses, os funcionários da Vale, entre outros cujo trabalho tem sido infatigável no sentido de amenizar a dor das vítimas desta tragédia.

E, por fim, parabenizar o Circuito por esta exemplar edição que, mais do que informar, busca interpretar essa tragédia que se abateu sobre Brumadinho.

Afora isso já sabemos que se os prejuízos econômicos e ambientais serão facilmente contabilizados. No entanto dificilmente conseguiremos contabilizar os prejuízos humanos acarretados pela dor dos abraços e beijos que não mais serão dados, do vazio dos quartos, do prato vazio à mesa, do guarda-roupa que não mais terá serventia, do celular que não mais será tocado e da dor dilacerante entranhada no olhar de pais, filhos, namorados, esposos e esposas, irmãos, irmãs e vizinhos daqueles que se foram!

Esta contabilidade será jogada no espaço do saldo devedor cuja paga ficará nas mãos de Deus.

A outra contabilidade, espera-se, deverá ser paga exemplarmente pela Vale!