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ASCAVAP: um patrimônio de Brumadinho

 

Nosso município tem histórias muito ricas, que às vezes vão se perdendo com o tempo. Temos orgulho de sermos uma terra de acolhimento, de amizades, de laços de pertencimento, que sempre marcaram nossa trajetória como comunidade, povo e território.

Uma das histórias de muita beleza, força, determinação, superação e inovação ambiental se confunde com a trajetória da ASCAVAP, a Associação dos Catadores do Vale do Paraopeba. Criada a partir de um grupo específico de pessoas em nossa comunidade, essa cooperativa se destacava, em seu início, não apenas por lidar com um grave problema ambiental dos nossos dias, os resíduos derivados de nosso modelo de vida urbana, cada vez mais consumista, e pela geração de renda e dignidade econômica para pessoas em condição de vulnerabilidade, mas também e sobretudo pela inclusão social de pessoas com sofrimento mental.

Foi assim que um casal fundador da ASCAVAP se tornou símbolo de uma das melhores iniciativas que Brumadinho já criou. O Sô Aguinaldo e Dona Valdete simbolizavam nosso povo, também para fora de nossa cidade, muito antes de outros empreendimentos colocarem nossa cidade na rota turística e no centro das discussões sobre mineração e crimes corporativos. Eles eram admirados e bem recebidos em vários espaços nos quais catadores e catadoras, ambientalistas, pesquisadores e gestores públicos e empresariais se reuniam para discutir e fazer avançar a reciclagem em Minas Gerais, no Brasil e no mundo. Para quem não tem ideia dessa magnitude, cabe pesquisar mais sobre a importância dos catadores brasileiros nas lutas globais pela reciclagem e sustentabilidade.

Porém, a roda do mundo e da história gira, e o que começou em todo o Brasil e, em especial em Brumadinho, como uma forma de geração de renda para pessoas em condição de pobreza e precarização da vida, hoje é uma atividade cobiçada por grandes grupos empresariais pelo valor que os materiais recicláveis atingem em todo o mundo, com o advento da chamada Economia Circular.

A circularidade na economia significa reinserir aquilo que antes era visto como apenas lixo na cadeia produtiva novamente. O lixo se transforma em resíduos, em materiais que podem agregar mais valor ao serem reprocessados e se tornarem novos produtos e embalagens, uma vez mais, no nosso modo de vida e consum contemporâneos.

Quando o lixo era apenas lixo, pessoas corajosas, determinadas e cheias de esperança, como o Sô Aguinaldo e a Dona Valdete, desbravaram seus medos, dores, sofrimentos e fragilidades para construir a ASCAVAP, uma cooperativa respeitada e de referência na chamada Rede Cataunidos e no Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável. Eles receberam o apoio e o acolhimento, bem como a admiração de muitas outras pessoas de Brumadinho, servindo não apenas para que nós, povo de nossa terra, cuidássemos melhor do meio ambiente e das pessoas em condição de pobreza, mas também cuidássemos melhor uns dos outros. A ASCAVAP sempre representou essa força do capital social de Brumadinho, unindo pessoas de diferentes classes sociais em torno da solidariedade e do cuidado mútuo em nossa comunidade.

Cooperativas de catadores podem e devem ser apoiadas e acolhidas por todas as pessoas, organizações e instituições efetivamente comprometidas com a sustentabilidade, com a inclusão social e a justiça econômica. Porém, esse apoio não pode ser em detrimento do protagonismo, autonomia e centralidade dos catadores e catadoras de material reciclável. E, infelizmente, nesse Brasil contemporâneo no qual alguns lucram muito com consultorias e processos de reciclagem baseados não nas comunidades, mas de cima para baixo, várias cooperativas carecem justamente dessa centralidade e autenticidade daqueles e daquelas que são os mais importantes no processo de reciclagem: os trabalhadores da catação e reciclagem.

Por isso, Brumadinho não pode deixar de apoiar, fortalecer e fazer avançar a ASCAVAP, um patrimônio da história de nosso município, mesmo com todas as dificuldades. E são muitas os desafios que existem quando aqueles que não são catadores e catadoras decidem se colocar ao lado e caminharem com esse grupo de trabalhadores ambientais em prol do alcance de níveis cada vez mais elevados de circularidade da economia local, da economia de Brumadinho, e da reciclagem. Isso é o mínimo que podemos fazer em memória de dois ilustres cidadãos de Brumadinho, que nos deixaram, deixando muitas saudades, os saudosos Sô Aguinaldo e Dona Valdete. Hoje eles estão em outra vida, mas com certeza continuam zelando carinhosamente por todos nós de Brumadinho. Devem repetir lá de cima para todos nós um dos mais belos slogans dos catadores e catadoras em prol da circularidade econômica: “Deus recicla, o Diabo incinera”. Que a reciclagem em Brumadinho se modernize, sem perdermos nosso patrimônio da catação e reciclagem: a ASCAVAP.