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Deus Recicla, o Diabo Incinera

Há a proposta de se trazer para Brumadinho uma usina de incineração de lixo hospitalar. Essa notícia parece auspiciosa para muitos. Há alguns que enxergam com bons olhos inclusive a instalação de uma incineradora de lixo em geral. No entanto, quando falamos de Gestão de Resíduos Urbanos “há mais coisas entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia pode supor” (Hamlet de William Shakespeare). Um dos slogans do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, que dá título a este artigo, “Deus Recicla, o Diabo Incinera”, nos lembra que incineração não é uma boa solução econômica, social, ambiental e de desenvolvimento para nenhum lugar do mundo.

Brumadinho já foi destaque, em um passado recente, quanto à sua política de reciclagem. A ASCAVAP, através da carismática liderança do saudoso Sr. Agnaldo, já compôs uma rede de cooperativas de catadores das mais importantes do país, a Cataunidos. E até hoje a prática de separação de resíduos para reciclagem no lixo doméstico em Brumadinho é uma das mais elevadas, inclusive quando comparadas à outras cidades de grande porte e supostamente com mais população com acesso à informação e educação ambiental.

Nos chamados países desenvolvidos, a incineração foi abolida como atividade industrial de geração de energia e solução para a gestão de resíduos urbanos. Há muitos malefícios com a incineração, mesmo quando ela atende aos requisitos da legislação ambiental local. Incinerar lixo gera partículas no ar que no longo-prazo pode trazer importantes doenças para os moradores de um território. Além disso, a atividade acaba por fazer cair o valor da terra e das habitações ao redor da usina de incineração. Ninguém deseja morar próximo a uma usina assim.

Há um lobby muito poderoso hoje de empresas nacionais e multinacionais para se desqualificar as iniciativas de reciclagem, sobretudo com o objetivo de retirar os catadores da cadeia da gestão de resíduos. Argumentos tecnocráticos afirmam que cooperativas de catadores são pequenas, mal geridas e não conseguem dar conta de todos os resíduos urbanos. Esses discursos servem para encobrir o desejo de implantar aqui grandes usinas incineradoras.

O pior é que esses argumentos não levam em conta que a Economia Circular, ou seja, a reinserção dos materiais recicláveis na cadeia de produção, é o futuro da indústria e da sociedade. Queimar materiais que podem vir a se tornar outros materiais através da Economia Circular e da reciclagem é antieconômico, antiambiental e antissocial.

Catação, separação e reciclagem de materiais é fonte de trabalho, renda e sustento para milhares de catadores que enfrentam uma realidade de exclusão social e ausência de direitos grave, profunda e histórica. Incinerar é jogar fora todo o importante trabalho de educação e conscientização ambiental que catadores ajudam a consolidar diariamente em nossas cidades e do qual Brumadinho é exemplo vivo. Só separamos nossos materiais recicláveis em taxas elevadas em nossa cidade porque sabemos que esses materiais vão virar renda para catadores que conhecemos, respeitamos e desejamos fortalecer e ampliar a cidadania como verdadeiros “agentes ambientais urbanos” que são, pois prestam serviços ambientais de elevado valor ao nosso município e ao planeta.

Claro que a incineração de lixo hospitalar deve acontecer por causa dos efeitos contaminantes. Mas celebrar a instalação de uma usina de incineração em Brumadinho e sonhar com mais materiais (não hospitalares) incinerados em nossa terra é trazer atraso para nosso município, já muito penalizado e sofrido com todos os crimes ambientais que aqui aconteceram.

A ASCAVAP é um patrimônio, construída por gente sofrida, de luta, de resistência e sobrevivência, e deve ser fortalecida. Devemos caminhar para um município de Lixo Zero, de Reciclagem Total, de Economia Circular abrangente, e não para um município de incineração de lixo, porque “Deus recicla, o Diabo incinera”.