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Participação: a chave para nossos problemas

As formas de vivência da democracia nas sociedades contemporâneas, em especial na realidade brasileira e, sobretudo, o contexto de Brumadinho, pressupõe a participação do cidadão nas questões públicas. Democracia não se resume ao exercício de se candidatar, votar e ser votado em eleições periódicas. Democracia pressupõe o envolvimento das pessoas com os problemas públicos, visando propor e construir soluções para problemas que atravessam as comunidades e territórios.

Em termos de experiências globais de participação e envolvimento do cidadão na discussão, construção compartilhada e implementação de políticas públicas, programas e projetos, o Brasil sempre esteve no centro das atenções. Fomos pioneiras na adoção de estratégias de escuta ativa e debate do Estado com o cidadão na gestão pública local, nas prefeituras. As práticas brasileiras ligadas, por exemplo, ao Orçamento Participativo (OP), se tornaram exemplos a serem seguidos em outras partes do mundo, propaladas em cartilhas e documentos publicados por organismos internacionais.

Muito antes dos conturbados anos recentes de conflito político que vivenciamos agora, a participação popular vinha dando sinais de esgotamento, desconstrução e refluxo no contexto brasileiro. Ao mesmo tempo que novas dimensões e níveis institucionais de participação popular foram sendo construídos, ainda que desconstruídos por gestões públicas subsequentes, a pouca penetração no seio da sociedade e a dificuldade de mobilização de mais e diversos atores sociais nos fóruns e canais de participação nas políticas públicas nos níveis federal e estadual, já chamava atenção dos estudiosos da participação e da democracia no Brasil.

Por outro lado, inovações participativas como os gabinetes ampliados e os mandatos coletivos, que primam por envolver mais atores políticos nas decisões de vereadores e deputados eleitos, nos mostram que a participação pode e deve se reiventar sempre.

Brumadinho, com a tragédia-crime de 2019 e os problemas advindos com os esforços de intervenção e atuação em nosso território para regenerar, reconstruir e/ou aprimorar o desenvolvimento local, é hoje um rico contexto para reinventar nossas formas de participação. Aliás, essas formas já se manifestam no seio de nossas comunidades, muitas delas ciosas de serem efetivamente protagonistas dos processos participativos e não apenas meros expectadores dessa verdadeira “Indústria da Reconstrução” que se instalou em nosso município desde o crime da Vale.

Um desafio da participação popular dentro das democracias contemporâneas é o advento das fake news. Participar movidos por mentiras, falácias ou respostas simples para problemas complexos pode destruir a capacidade de aprimoramento das políticas públicas. Essa é uma realidade da esfera pública nas democracias contemporâneas ao redor do mundo. Há intensidade de participação em algumas manifestações, mas um vazio de proposições claras, efetivas, palpáveis e que respeitem e fortaleçam a democracia. Hoje, há um tipo de fake news muito grave, que muitas vezes passa despercebido do cidadão comum. É a proposição de falsas soluções para problemas públicos. O exemplo mais gritante disso está na defesa do armamento da população e no encarceramento cruel e sem respeito aos direitos humanos, como forma de combater a insegurança pública. Não há evidências de que isso funciona em absolutamente nenhum lugar do mundo. Mas, ainda assim, se tornou uma ideia fixa na mente de muitos cidadãos brasileiros.

Participar pressupõe respeito às diferenças, diálogo e abertura, inclusive para mudar de opiniões. Sem isso, não temos participação, temos apenas um grupo dizendo em voz alta, às vezes até gritante, para toda a sociedade de que ele é o dono da razão e todos e todas devem se submeter às ideias desse grupo.

Em Brumadinho, sobretudo as dinâmicas de pseudoparticipação e manipulação de decisões coletivas ganharam vulto a partir das intervenções para reconstrução do município desde 2019. Porém, como muitos estudiosos da participação nos alertam a partir de seus estudos, a pseudoparticipação e a manipulação das decisões vão sendo descobertas pela sociedade, na medida em que amadurecem sua inserção nesses espaços, tendendo a ser combatidas e eliminadas com o passar do tempo e uma melhor compreensão dessa realidade por parte das lideranças comunitárias.

A pseudoparticipação consiste na a criação de espaços supostamente democráticos de deliberação pública, mas que na verdade são manipulados por grupos com poder político e econômico. Brumadinho tem amadurecido rapidamente, ainda que à custa de muito sangue, suor, lágrimas e conflitos, para lutar por espaços efetivamente democráticos e participativos na gestão da reconstrução de nosso território. Quiçá esses esforços, que tem a frente pessoas efetivamente comprometidas com o bem público para nossas comunidades, frutifiquem mais e mais, porque a democracia sobrevive disso, sempre. E Brumadinho merece mais e melhor democracia, sempre.

 

Téo (Armindo dos Santos de Sousa Teodósio)

Professor da PUC Minas