/Alguns retratos familiares podem estar escritos

Alguns retratos familiares podem estar escritos

Esse mês quando fui às compras na Livraria Mega Morais me deparei com um autor conceituadíssimo e muito idolatrado no meio literário, mas, que até então eu não tinha lido absolutamente nada: Domenico Starnone.

No Brasil já existem 3 obras desse autor, sendo elas: Laços, Assombrações e Segredos. Particularmente achei justo começar a conhecê-lo por sua primeira obra aqui trazida (Laços) afinal de contas sempre tem um porque da curadoria escolher um livro específico para apresentar um autor, e quando essa curadoria se diz respeito a editora Todavia então (sim, eu sou extremamente fã dessa editora, eles publicam: eu quero! O recorte curatorial perfeito ou quase isso).

Já nas primeiras páginas entendi friamente o porque desse autor ser tão ovacionado, com o perdão do trocadilho fraco, mas, o autor já te “laça” de primeira. Mudando a voz do discurso continuamente vamos entendendo um drama familiar de uma família prestes a colapsar – o que pra nós foi brilhantemente traduzido como laços (o título) no original em italiano se chama Lacci, palavra a qual também poderia ser traduzida como “cadarço” mas, que escolha feliz optar pela palavra laço na tradução (méritos grandiosos a Maurício Santana Dias que foi quem traduziu esta obra para o português).

Aqui conseguimos ver diversos retratos familiares sendo descritos e de uma forma extremamente peculiar. O que tocamos na vida do outro (filhos, amigos, cônjuges) a mudar a nossa própria vida e nossas próprias escolhas? O romance lida com conflitos – controláveis ou não, com impulsos, com a limiar cerca do que consideramos sagrado na instituição familiar sendo assim resumidamente uma história do que se acontece quando o alicerce de um grande prédio se desmorona, ou quase, sob os nossos olhos (seria esse o fato então da capa ser a Torre de Pizza? A famosa torre que entortou, mas não caiu? – eis aqui um questionamento do que ainda resta em mim do mediador em Arte Contemporânea de Inhotim – risos).

O fato é que nesses laços, ou até mesmo nos cadarços aqui apresentados por Starnone podem representar de certa forma quase todas as famílias. Somos sim resultados dos nossos pais, dos nossos afetos, das nossas diferenças. Os mesmos laços que nos envolvem também nos apertam e nos fazem necessariamente querer entender novamente nossas escolhas e caminhos.

Existe uma teoria que Starnone talvez seja Elena Ferrante. Em algumas edições atrás trouxe à tona a mediação do livro “A vida mentirosa dos adultos” de Elena, (a título de curiosidade caso não lembre esta postagem está disponível no instagram @literaturaemcores). Em resumo Elena é um pseudônimo de um grande artista que o grande público ainda não sabe exatamente quem é; escrevendo originalmente também em italiano assim como Starnone e também dissertando sobre as multiplicidades familiares existentes em cada família existe um grande motivo que gerou toda essa desconfiança de autoria de Starnone em talvez ser Elena: o fato de que Laços “converse” diretamente com o livro de estréria de Elena: Dias de Abandono.

Com isso algumas pessoas areditam friamente de Starnone ser Elena. Outros acreditam que pela voz de Elena ser tão friamente feminina isso seria impossível, apostando estes que seria Elena então a segunda esposa de Starnone (a tradutora Anita Raja). O próprio Starnone em uma de suas entrevistas respondeu sobre esse questionamento o seguinte: “Eu não sou Elena Ferrante. Seria muito fácil ser ela por ter escrito 19 páginas em que uma mulher se lamenta”. O fato é que, sejam ambas duas pessoas distintas ou apenas uma são extremamente grandiosos.

Laços é daquele tipo de livro que chega a ser impossível sair a mesma pessoa após a conclusão. Para finalizar deixo aqui um outro posicionamento também do autor sobre este livro, em no que talvez seria uma visão dos filhos no entremeio desse casal, visão esta que não o resume, mas mostra toda sua complexidade: “No mundo civilizado tende-se a pensar que há recursos como o psicólogo para arrumar as coisas. O que este livro diz é que nada se arruma. A dor é a dor, e quando não há maneira de contê-la reage-se com raiva.”